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'A arritmia se tornou tão prevalente quanto a pressão alta', alerta o cardiologista Eduardo Saad; entenda os riscos



Dançar fora do ritmo é inofensivo. O mesmo não pode ser dito do coração. Ele deve bater sempre no ritmo certo, mas não é o que acontece com uma em cada três pessoas, que sofrem com a fibrilação atrial, principal forma de arritmia cardíaca e causa de AVC no mundo. Formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com especialização em arritmia e eletrofisiologia pela Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, o cardiologista Eduardo Saad é um dos maiores nomes do Brasil no tema.


Coordenador do Serviço de Arritmias Cardíacas do Hospital Samaritano do Rio de Janeiro, co-diretor do Serviço de arritmias do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston, e professor de medicina de Harvard, Saad garante que as arritmias podem ser prevenidas e tratadas.

Em entrevista ao GLOBO, o médico explica mais sobre a condição e fala sobre sua relação de amor e admiração profunda pelo pai, Edson Saad, cardiologista de renome internacional, membro da Academia Nacional de Medicina e criador do Instituto do Coração da UFRJ, que faleceu em 2005. Nesta sexta-feira (23), Eduardo Saad lançará o livro “Do Fundo do Coração: Edson Saad - um legado de amor à medicina” (editora ZIT), às 19h, na Livraria da Travessa, no Leblon.


O senhor pode explicar o que é a arritmia cardíaca e quão comum é a condição?


Arritmia é um termo genérico para doenças que afetam a parte elétrica do coração. Existem diversos tipos, mas em resumo, elas aceleram ou deixam o coração mais lento. A arritmia mais comum é a fibrilação atrial. A Sociedade Europeia de Cardiologia estima que o risco de uma pessoa desenvolver essa arritmia ao longo da vida é de uma a cada três indivíduos. Ou seja, é tão prevalente quanto ter pressão alta. Eles não sabem bem o porquê, mas está aumentando a quantidade de pessoas com essa arritmia. Existem algumas hipóteses, mas nada comprovado, como o fato de as pessoas viverem mais e a arritmia ser uma condição que o risco aumenta com a idade, e também o fato de hoje em dia ter mais diagnóstico do que antigamente. Hoje tem também os smartwatches que monitoram a frequência cardíaca e acabam alertando o usuário sobre arritmias que poderiam passar despercebidas. O estilo de vida tem também influência nisso. As pessoas hoje dormem pouco, têm uma carga de estresse muito alta e estão submetidas a outros fatores que a gente não conhece, como uso de substâncias estimulantes.


A arritmia é mais comum em homens ou mulheres?


Não há muita diferença nas arritmias em relação aos homens ou mulheres. Talvez os homens comecem a ser afetados um pouco mais cedo, principalmente para a fibrilação atrial. Mas outros tipos de arritmias, como as taquicardias supraventriculares, são até mais comuns em mulheres jovens e às vezes são confundidas com síndrome do pânico porque causa sintomas repentinos, que vêm com uma sensação de aceleração do coração, com falta de ar e uma certa ansiedade pelo desconforto. Nestes casos, um diagnóstico diferencial pode ser importante para pessoas jovens.


Qualquer pessoa pode sofrer com a condição?


Pessoas que têm já alguma doença no coração têm uma probabilidade maior, mas não significa que pessoas que têm o coração completamente normal não possam desenvolver alterações elétricas. Algumas pessoas já nascem com uma certa predisposição, outras são mais comuns de ser adquiridas ao longo do tempo. Também existem fatores de risco para o desenvolvimento de alguns tipos de arritmia, principalmente a fibrilação atrial, que é a mais comum. Por exemplo, pessoas com obesidade, sedentárias, que sofrem apneia obstrutiva do sono e com doenças da tireoide são mais propensas a ter essa arritmia.


É possível prevenir as arritmias?


A prevenção envolve hábitos de vida saudáveis. Se manter ativo, manter o peso, tratar apneia do sono e doença da tireoide, enfim coisas que você pode mensurar que você tá diminuindo o risco. Mas eu já vi pessoas jovens, que fazem tudo certinho, terem um problema elétrico espontâneo.


Quais são os principais sintomas da arritmia?


O principal sintoma é a palpitação na forma de aceleração intensa e súbita do pulso. Realmente o coração dispara abruptamente. Esse disparo pode ser com o coração batendo regularmente ou irregularmente e geralmente vem acompanhado de uma certa falta de ar ou cansaço, eventualmente com tonteiras e até desmaio.


Há risco de morte?


Existem arritmias banais e as malignas, que recebem esse nome porque podem causar morte súbita. O termo “parada cardíaca” é usado para descrever uma situação em que o coração não gera fluxo de sangue para o corpo. Isso geralmente acontece por uma atividade elétrica muito rápida e caótica chamada de fibrilação ventricular, a parte de baixo do coração. Mas é importante ressaltar que as arritmias que não causam morte súbita também podem trazer consequências graves. A fibrilação atrial, por exemplo, é a principal causa de AVC acima dos 60 anos de idade. Outras arritmias podem não matar, mas têm sintomas muito desagradáveis, principalmente quando o paciente tem pressão baixa, tonteira e desmaios. São sintomas muito intensos que podem causar acidente se a pessoa estiver dirigindo, por exemplo, e ter uma série de outras implicações. Por isso é importante diagnosticar e tratar arritmias.


Em que momento as pessoas devem verificar se há algum problema? Como é feito o diagnóstico?


Como a arritmia é um fenômeno elétrico, ela é detectada fundamentalmente por métodos de registro de eletrocardiograma. Não há uma idade recomendada para a pessoa começar a fazer check-ups para arritmia, mas uma forma simples de avaliar o ritmo do coração é fazer monitoramentos rotineiros por meio da checagem do pulso, do uso de smartwatches ou ainda equipamentos para medir a pressão e oxímetros. O ritmo normal do coração é um ritmo regular cadenciado com mais ou menos algo entre 50 e 100 batimentos por minuto em repouso. Além disso, é importante a pessoa relatar qualquer sintoma de arritmia nos check-ups anuais porque, muitas vezes, as pessoas tendem a minimizar esses sintomas e creditar ao estresse, por exemplo.


É possível tratar a condição?


Muitas arritmias têm cura e todas têm tratamento. Para as arritmias que lentificam o coração, por exemplo, geralmente o tratamento é através da implantação de dispositivos como marca-passo ou desfibrador implantável. Para as arritmias que aceleram o batimento, existem dois tipos de tratamento de maneira geral: o medicamentoso, com remédios anti-arrítmicos e, em algumas circunstâncias, com anticoagulantes. Outra opção de tratamento é a ablação por cateter, que cauteriza o pedaço do músculo do coração responsável pela arritmia, impedindo que ela volte.


O senhor acha que se trata de uma doença cardíaca subestimada?


Eu diria que a arritmia, em especial as que não são malignas, já foram muito subestimadas. Mas isso mudou. Ao longo do tempo a gente reconheceu que mesmo pessoas sem sintomas que têm um perfil de risco de morte súbita, têm que ser protegidas contra isso e também que arritmias sem risco de morte súbita, mas com muitos sintomas ou que podem causar AVC, quanto mais cedo você trata, maior a chance de debelá-las.


Seu pai era um cardiologista renomado. Por que o senhor optou pela área de arritmia?


A história se desenrola graças a uma ida para Cleveland, nos Estados Unidos, e a uma inserção no serviço de arritmia. Me formei na UFRJ, onde também fiz residência de clínica médica e de Cardiologia. No último ano da residência, eu podia cursar três meses eletivamente em algum lugar. Meu pai tinha muito contato na Cleeveland Clinic e eu acabei aplicando por um programa de observação. Nessa época, eu já tinha um certo apreço pelo eletrocardiograma e eventualmente por arritmias. Era uma coisa que já me atraía. Lá, eu tinha que fazer uma rotação por diversas áreas da cardiologia e eu escolhi começar na área de arritmia, que é a eletrofisiologia cardíaca. Rapidamente, me envolvi de uma maneira que eu ficava burlando para não sair dali porque eu não queria ir para a próxima rotação. Acabei ficando os três meses ali. No fim, o chefe do serviço, o italiano Andrea Natale, me ofereceu um treinamento lá e eu aceitei. Enquanto eu estive lá, ele me deu muitas outras oportunidades e eu o considero como um segundo pai.


Por que decidiu escrever uma biografia sobre seu pai?


Inicialmente, eu queria escrever esse livro para deixar o legado dele eternizado porque eu vejo que as pessoas da geração mais jovem nem sequer sabem quem ele era. Elas não têm ideia da importância que ele teve. Mas à medida que comecei a escrever, vi o impacto disso nas pessoas que eu consultava ou pedia depoimento e acho que a motivação se tornou realmente homenageá-lo. Meu pai era uma pessoa comum. Filho de imigrantes libaneses, veio do interior de São Paulo para o Rio para fazer vestibular e teve uma carreira brilhante e meteórica. Teve uma carreira acadêmica muito forte, mas também construiu uma clínica privada de muito sucesso. Foi professor universitário na UFRJ e na UFF, trabalhou no Hospital do Servidor do Estado e formou muita gente.


Mas o livro não se dedica somente aos aspectos técnicos da forma como ele encarava a medicina.


Ele teve um impacto muito grande em muitas pessoas. Ele era aquela pessoa que chega no ambiente e traz confiança. Ele acreditava que a medicina era um sacerdócio porque não havia limites para sua atividade. Para ele, você tinha que dedicar o tempo que precisasse aquilo e exercia isso fielmente. Não era incomum ele sair do consultório uma ou duas da manhã. Tinham pessoas que esperavam horas por ele, mas ele dizia: "Quando a pessoa entrar aqui, eu vou dar para ela o tempo que ela precisar”. Ele não tinha nenhuma pressa. Eu tive percepção de que muitos ficaram órfãos com a morte dele porque ele tinha uma relação muito forte com as pessoas. Quando entrava no quarto, o paciente pensava "ufa, o Dr. Saad está aqui". Muitas vezes, não só pela questão técnica, mas muito pela questão humana. Ele funcionava como uma pessoa que conseguia canalizar, aconselhar e acalmar. Então ele misturava esses dois lados da medicina, a parte técnica e humana. A pessoa que motivou para escrever esse livro chama-se Nelson Sendas, é um paciente que virou um grande amigo e escreveu a biografia do pai dele, o Arthur Sendas. Ele então me disse que eu deveria fazer a mesma coisa porque é uma experiência espetacular, que eu iria gostar. Depois de uma certa insistência, eu abracei a ideia. Mas não podia imaginar como ele tinha razão. Foi absolutamente espetacular, motivante e emocionante.


O que o senhor leva dos ensinamentos e da convivência com ele para sua vida pessoal e profissional?


Aprendi muitas coisas com ele, incluindo a dedicação aos pacientes, a maneira de tratar as pessoas, de fazer com que a pessoa se sinta confortada pela sua atividade e pela sua presença, que você seja disponível. Mas acho que a liderança pelo exemplo é a principal. E eu tento fazer isso com os meus filhos. Quero que eles aprendam pelo meu exemplo.


Qual é a carga de ter o sobrenome Saad e seguir na mesma profissão do seu pai?


Meu pai abriu e ainda abre muitas portas para mim. Eu diria que ter o sobrenome Saad e ser filho de quem eu sou, me abre portas em 99% dos casos. Mas também tem o outro lado que é um certo desdém por parte de algumas pessoas, de que minhas conquistas só aconteceram por causa do meu pai. Mas acho que sempre me naveguei muito bem por isso. Nunca carreguei esse peso nos ombros, sempre agi de forma muito natural e tentei fazer com que a minha carreira fosse baseada no meu valor.


Qual é a lembrança mais forte desse convívio?


A minha melhor lembrança é ver ele trabalhando e a gente esperando por ele. Muitas vezes, quando criança, eu ia ao hospital com ele ou à casa de clientes. Em casa, me lembro de vê-lo trabalhando no escritório enquanto eu e meus irmãos brincávamos perto. Meu pai não era uma pessoa que chegava para jogar bola comigo e com meus irmãos. Ele estava quase sempre envolvido no trabalho, então o tempo perto dele era quantitativamente pequeno, mas qualitativamente gigante porque ele sempre tinha uma palavra de muito carinho e muita proximidade quando a gente era pequeno. Ao longo da vida, ele é a pessoa que você se aconselha no momento de indecisão, de dificuldade. Eu sinto muita falta disso.


O senhor é o único filho que fez medicina. Ele tinha o desejo de ver um filho seguir o mesmo caminho?


Eu falava desde criança que iria ser médico. É óbvio que ter um pai médico e uma família de médicos por parte de mãe, não tem como dizer que não influencia. Mas meu pai jamais pressionou nenhum de nós para ser médico. Acho que naturalmente você quer fazer a mesma coisa que seu pai, ainda mais depois de acompanhar sua dedicação à profissão. Meu irmão mais velho cursou dois anos de medicina e depois decidiu que não era para ele. Mas acho que ele ficou muito aliviado quando eu realmente fui seguir a carreira porque ele sempre brincava que não teria ninguém para quem deixar sua biblioteca de livros e publicações de medicina.


Fonte: O Globo

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