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A importância da honestidade ao falar sobre o diagnóstico de câncer avançado

Explicar para um paciente que ele está com câncer em estágio IV é uma tarefa difícil, mas deve conter uma discussão franca sobre a expectativa de vida e de eficácia do tratamento, de modo a não criar falsas esperanças.

Caso contrário, o paciente não pode dar um consentimento realmente esclarecido para o tratamento, afirma o Dr. Donald Brand, Ph.D., professor adjunto da NYU Long Island School of Medicine e ex-diretor do Health Outcomes Research at NYU Winthrop Hospital, nos Estados Unidos.

“Os médicos são especialistas em dar más notícias para os seus pacientes”, disse o Dr. Donald ao Medscape. “Mas podem cair na armadilha de querer amortecer o golpe ou poupar os pacientes da ansiedade, e assim passar rapidamente a falar sobre os possíveis tratamentos”, comentou o médico.

O Dr. Donald tem vivido essas situações com seus próprios parentes, e as suas observações o levaram a escrever uma artigo de opinião que foi publicado on-line no Journal of General Internal Medicine.

O Dr. Donald espera que seu artigo dê início a um “muito necessário” debate sobre o tema.

“Espero que o artigo seja lido por um amplo público de oncologistas, do atendimento primário, do atendimento paliativo e profissionais especialistas em ética, e suscite um debate para que as outras pessoas comecem a discutir os prós e os contras do que estou falando”, disse o professor.

Em uma entrevista para o Medscape o Dr. Donald descreveu uma experiência do que chamou de “disfarçar a realidade” quando ele acompanhou um parente ao que se revelou ser um encontro fatídico com o seu oncologista.

“O diagnóstico de câncer em estágio IV foi dito imediatamente e, logo a seguir, o foco era o tratamento. Me chamou a atenção que a conversa mudou rapidamente de “isso é o que você tem”, para “isso é o que podemos fazer por você”. Houve muito pouca discussão sobre o prognóstico, sobre a trajetória da doença. Tinha um elefante no consultório que estava sendo ignorado”, recordou.

Também, particularmente neste caso, os tratamentos foram propostos sem nenhuma participação do paciente na tomada de decisão, disse Dr. Donald. As opções terapêuticas foram apresentadas “como se o paciente não tivesse de tomar nenhuma decisão”.

“Mas o fato é que os tratamentos são tóxicos e podem ter benefícios periféricos”, continuou, “então o paciente deve poder tomar uma decisão consciente sobre se quer passar por tudo isso apenas para ganhar mais algumas semanas de vida, se chegar a tanto”.

“Incurável, mas tratável”

O Dr. Donald reconhece que pode ser difícil para os oncologistas admitirem que os tratamentos oferecem benefícios marginais de sobrevivência, quando oferecem.

“Portanto, não é surpresa que o médico disfarce um pouco as coisas. Os médicos podem dizer para o paciente que o câncer dele é incurável, mas tratável, ou que cada pessoa é diferente e nunca se sabe como uma pessoa irá responder a determinado tratamento”, disse.

“Mas seria muito melhor para o paciente ouvir uma conversa direta sobre seu prognóstico e qual é a real eficácia do tratamento”, observou.

A mesma questão foi recentemente levantada pelo especialista em ética Dr. Art Caplan, Ph.D., em seu comentário Medscape Stop Trying to Soften Bad News for Patients.

O Dr. Art apresenta o caso de um médico com câncer de pâncreas avançado que descobriu que seus colegas médicos não conseguiam ser francos com ele sobre o fato de seu diagnóstico ser fatal. Ninguém usava uma linguagem direta e honesta, e evitavam a palavra “morrendo”. Mas, para ele era importante, porque ele queria se preparar para a própria morte. Ele queria colocar seus negócios em ordem, se despedir das pessoas e assistir alguns filmes e programas de que gostava antes de não poder mais fazer isso.

O Dr. Art defende a conversa direta para explicar ao paciente o prognóstico, mesmo se – e talvez, principalmente se – for uma má notícia. Ele também oferece conselhos sobre como fazê-lo.

“Provavelmente a coisa mais importante que eu vi, e que me pareceu eficaz, foi apresentar a informação, deixar as pessoas entenderem o que isso significa, mas voltar ao assunto mais tarde”, disse.

Acho que a repetição é importante. Pergunte ao paciente se gostaria de chamar alguém da família ou algum amigo quando voltarem a falar sobre isso. Certifique-se de que vai dedicar o tempo necessário – não apenas uma vez, mas mais do que uma vez – para transmitir as informações”.

O Dr. Art também reconhece como todo esse processo pode ser difícil. “É difícil assimilar notícias ruins. Às vezes é duro ouvir e difícil entender o que está realmente sendo dito, mesmo quando é simples, franco e direto. Eu já vi estudos que afirmam que apenas 10% dos pacientes com câncer entendem que seu diagnóstico é terminal, apesar de isso ter sido dito.”

Explicando o diagnóstico

No artigo, o Dr. Donald pondera que muitas vezes a forma como os dados de eficácia é apresentada na literatura médica contribui para o problema de definir as más notícias.

“Pode ser difícil para os médicos interpretarem os dados, pois os ensaios clínicos randomizados e as metanálises geralmente descrevem resultados usando razão de risco, com frequência acompanhada de curvas de sobrevivência comparando os tratamentos. A razão de risco resume em um único número a magnitude da diferença entre tratamentos alternativos durante todo o período de acompanhamento do estudo.

“Embora este constructo matemático de fato incorpore a informação essencial, não transmite com eficácia o significado das informações, de modo a poder ajudar os médicos e os pacientes a compararem as alternativas, e fazer escolhas fundamentadas. Alguém que não seja estatístico não entende a informação de que no câncer colorretal a razão de risco da quimioterapia versus não fazer quimioterapia é de 0,65 (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0,56 a 0,76)”, escreveu o Dr. Donald.

O Dr. Donald também desaprova a literatura por, cada vez mais, mudar o foco da sobrevida como desfecho para a resposta tumoral ou a sobrevida livre de progressão da doença.

“Esses desfechos substitutos têm a vantagem prática em relação à sobrevida no sentido de exigirem um período de acompanhamento para a coleta de dados”, observou. “Mas podem ser um pouco enganosos”, ponderou.

“Se um tumor encolher ou não crescer durante seis meses, isso deve ser uma coisa boa. Isso mostra que o tratamento controlou o câncer e fez o paciente ganhar algum tempo. Mas o problema dessa narrativa é que os indicadores de progressão da doença não comprovaram sua correlação com a sobrevida do paciente, que é o padrão ouro científico inconteste de eficácia”, escreveu.

“Como a quimioterapia tem quase sempre um efeito maior nesses resultados do que na sobrevida, a mudança do foco tende a fazer os resultados parecerem mais favoráveis”, continuou Dr. Donald.

Nos últimos anos, mais da metade de todos os ensaios clínicos que culminaram na aprovação de medicamentos pela Food and Drug Administration norte-americana para indicações oncológicas utilizou desfechos substitutos, assinalou o Dr. Donald em seu artigo. Muitos outros também observaram essa mudança, e indicaram que a maioria dos medicamentos aprovados com desfechos substitutos não melhora nem a sobrevida nem a qualidade de vida, como publicado pelo Medscape.

O material didático de organizações como a American Cancer Society, o National Cancer Institute e a Susan G. Komen Foundation oferece uma vasta quantidade de informações sobre incidência, diagnóstico, estadiamento e tratamento, mas praticamente ignoram a sobrevida, disse.

“Se o paciente concordar em fazer quimioterapia sem ter uma compreensão básica das metas e da eficácia do tratamento, os requisitos mínimos para o consentimento livre e esclarecido não foram cumpridos”, afirmou o Dr. Donald.

“Uma vez que os pacientes que fazem quimioterapia para câncer avançado normalmente não têm esse entendimento, provavelmente deram consentimento sem esclarecimentos”, escreveu.

Esta questão foi destaque em um estudo publicado em 2012 no periódico New England Journal of Medicine, que observou que a maioria dos pacientes com câncer colorretal ou pulmonar avançados erroneamente acreditava que a quimioterapia poderia curar a sua doença. O diagnóstico levanta questões sobre se os pacientes realmente compreenderam o objetivo do tratamento, comentaram os autores na época, conforme publicado pelo Medscape.

“Em vez de tentar abrandar o golpe de um diagnóstico ou de um prognóstico, os oncologistas poderiam falar diretamente sobre o câncer em estágio terminal, o que pode dar aos pacientes esperanças realistas em vez de falsas esperanças, que estão prestes a ser desmentidas. ‘Dourar a pílula’ sobre a realidade da situação pode dar falsas esperanças e pode explicar por que tantos pacientes acreditam que seu câncer metastático pode ser curado e por que tão poucos pacientes com câncer terminal optam por não fazer quimioterapia”, concluiu o Dr. Donald.

Sobrecarregados demais para pensar em detalhes

O Medscape procurou o oncologista Dr. Anthony L. Back, médico e professor da University of Washington e do Fred Hutchinson Cancer Research Center, nos EUA para falar sobre o artigo. O Dr. Anthony também é cofundador do VitalTalk, uma organização sem fins lucrativos que ensina aos médicos métodos de comunicação empática e eficaz com seus pacientes, como publicado anteriormente.

“Concordo com o Dr. Donald que existem muitas ocasiões nas quais o paciente pergunta o que pode esperar da doença e não recebe respostas diretas ou os médicos realmente não se dispõem a conversar sobre o que esperar de forma clara. Eu acho que esse problema é enorme”, disse o Dr. Anthony para o Medscape.

No entanto, “também é importante perceber que o momento do diagnóstico de um câncer de fase IV pode não ser o ideal para soterrar os pacientes de informações”, acrescentou.

“Os médicos precisam prestar atenção e entender os efeitos das reações emocionais dos pacientes”, continuou Dr. Anthony.

“A maioria dos pacientes que conversa com um oncologista, especialmente na primeira ou na segunda vez sobre um câncer de fase IV, está realmente assustada, até mesmo aterrorizada. E isso significa que o espaço para absorver informações está bem estreitado”, disse.

“Muitas vezes, ao dar mais detalhes do que os pacientes podem absorver vai gerar uma reação que você, como médico, não quer”, explicou o Dr. Anthony, como “uma reação que não ajuda o paciente a compreender”.

Por exemplo, se o paciente “parecer estar muito triste e se sua aparência sugerir que ele já chegou ao máximo do que pode lidar hoje, seria melhor que as informações detalhadas sobre o prognóstico e a eficácia que o Dr. Donald gostaria que fossem conversadas sejam deixadas para outra consulta”, disse Dr. Anthony.

Nesse momento, o paciente “está muito triste e simplesmente não vai ouvir nada, literalmente. Não vai absorver”, acrescentou.

“Vemos isso o tempo todo”, disse o Dr. Anthony. “Os médicos que passam muito tempo com seus pacientes estão tentando fazer bem o seu trabalho, mas como não valorizam os indícios emocionais, seus esforços bem-intencionados não produzem o efeito desejado.”

É importante também comunicar as informações em um nível adequado para o paciente, observou.

“É muito difícil para alguém que não conhece estatística entender inteiramente o que isso significa. Concordo plenamente com o Dr. Donald em dizer aos nossos pacientes o que esperar, a fim de prepará-los, mas também temos de levar em consideração o fato de que as informações têm um grande peso emocional, e as pessoas simplesmente não conseguem absorver tudo de uma só vez. Quando alguém descobre que têm câncer em estágio IV, não estou certo de que esta seja a hora de dar uma aula sobre as curvas de sobrevida de Kaplan-Meier”, disse o Dr. Anthony.

Alguns pacientes estão dispostos a passar por tratamentos duros para conseguir benefícios que podem parecer irrisórios para outros, disse Dr. Anthony.

“Varia muito. É trabalhoso para o oncologista ser claro sobre qual é o real benefício, e também sobre como isso se encaixa e o quanto alguém está disposto a aguentar”, explicou.

“O quanto alguém está disposto a aguentar com a promessa de um pequeno benefício é muito, muito variável, e muito difícil de falar. E a maioria das pessoas não toma nenhuma decisão baseada em estatísticas. A decisão se baseia nos instintos.”

Fonte: Medscape

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