No Brasil, as datas de parto são influenciadas para acontecer antes da 39ª semana de gestação ou depois, devido a grandes feriados, os quais influenciam a disponibilidade médica nos hospitais e maternidades. É o que mostram as evidências encontradas por pesquisadores brasileiros, publicadas em um estudo na revista científica Health Economics.
O levantamento feito por dois pesquisadores brasileiros indica que mulheres brasileiras dão à luz mais cedo e também mais tarde para evitar o período de festividades, como o Carnaval, por meio da cesárea eletiva (quando a retirada do bebê é agendada). Isso se dá por conta da menor viabilidade de atendimento por médicos e das dificuldades de locomoção no trânsito devido aos cortejos da festa.
Porém, foi mostrado que apenas o adiamento beneficia a saúde dos bebês. Quando se trata desta opção, o tempo gestacional médio aumenta em 0,06 dias, de acordo com a pesquisa. Esta mudança por si só consegue reduzir as taxas de mortalidade neonatal e de mortalidade neonatal precoce em 0,30 e 0,26 por 1 mil nascidos vivos, respectivamente.
A antecipação, por outro lado, se mostra um problema. Do ponto de vista médico, sem uma justificativa plausível como algum problema de saúde da parturiente (um exemplo são os casos de pressão alta), isso pode significar grandes riscos para o recém nascido.
Para o ginecologista Elias Ferreira de Melo Júnior, presidente da comissão de parto e puerpério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), este cenário representa uma bandeira vermelha quando se trata dos efeitos a longo prazo.
— Antecipar cesariana sem razões médicas abaixo de 39 semanas não tem justificativa e é um risco muito grande para o bebê, sem nenhum benefício visível — ressalta.
Além disso, o perfil das mulheres que tendem a optar por esta escolha é de nível educacional avançado.
— As mães ficam com receio de não conseguir o atendimento com o obstetra ou pediatra de sua preferência ou de não ser atendida a tempo durante o plantão, então movem a data para não passar por dificuldades. Dessa maneira, a escala de trabalho do profissional que a atende impacta bastante no desenrolar da gestação — analisa a pediatra Marcelle Bonomo, coordenadora de pediatria do Grupo Conaes Brasil.
Conforme indica a economista Carolina Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, uma das autoras do estudo, este cenário é semelhante em semanas anteriores a outras grandes datas, como Natal e Ano Novo, que interferem na disponibilidade de profissionais de saúde responsáveis por gestantes.
“Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um período gestacional mínimo de 39 semanas, a média brasileira é de 38,5 semanas. Isso significa que muitos bebês estão nascendo antes do tempo seguro”, explica a autora em comunicado.
Outro dado importante é que o risco de uma internação longa e de readmissão hospitalar é maior em mulheres com gestações mais curtas, segundo uma pesquisa encabeçada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
Em 2021 foi determinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que o procedimento só poderia ser realizado de forma eletiva a partir dos 273 dias de gravidez decorridos, ou seja, 39 semanas completas. A resolução prevê que caso esta norma seja infligida o profissional poderá receber advertência ou até mesmo perder o título profissional.
— O bebê não está ainda preparado para nascer antes das 39 semanas. Ainda há uma imaturidade do sistema respiratório, então, ele pode ter uma chance maior de ter uma taquipneia transitória do recém nascido, que é uma dificuldade adaptativa de respirar.
Eventualmente ele vai precisar de algum suporte de oxigenoterapia — esclarece Ludmila Bercaire, ginecologista especialista em reprodução humana do Hospital Albert Einstein.
Outros problemas associados são dificuldades na amamentação, assim como no ganho de peso e no desenvolvimento. Por isso, na perspectiva dos especialistas citados, assim como os pesquisadores envolvidos no estudo, o período gestacional não deveria ser interferido pelo calendário de feriados.
Nesse mesmo contexto, é visto como preocupante pelos profissionais da saúde o fato do país também ter se distanciado do percentual de apenas 15% dos nascimentos não-naturais recomendados pela OMS. Em 2023, 59,7% dos partos realizados (em hospitais públicos e privados) foram cesáreas.
— Essa cultura muito forte da cesárea se dá por muitos fatores. Existe uma preferência pela cesárea por influência do próprio obstetra, tem a questão financeira (que leva a pessoa a aceitar o que é oferecido pelo convênio) e também pela desinformação, um medo que se criou de possíveis complicações do parto vaginal — constata Bonomo.
Parto normal e maturidade fetal
Os partos vaginais podem levar a resultados melhores em termos de maturidade gestacional e sobrevivência neonatal. Junto a isso, um aumento líquido de 3,5 dias no tempo gestacional dos partos cujas datas foram trocadas pode levar a um ganho de peso de 60 gramas, mostra o estudo.
O prazo para o bebê pode nascer naturalmente é até as 42 semanas de vida. O mais indicado, no entanto, é que a gestação vá até a 41ª semana, aponta a especialista em reprodução humana. Além do mais, diversos benefícios já foram associados a esperar até o momento de maturidade fetal (quando os órgãos e sistemas do organismo estão bem desenvolvidos), como:
— É fundamental que se tenha um nascimento no tempo certo, que nós chamamos “a termo”, para o desenvolvimento do pulmão, desenvolvimento neurológico, e também para o recém nascido já ter a condição de mamar de maneira adequada — enumera a pediatra.
Fonte: O Globo
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