A análise de dados de participantes de 25 países inscritos no World Mental Health Surveys Consortium, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que foi coordenado pelo Dr. Ron Kessler, professor da Harvard University, revelou que apenas 11% das pessoas com transtornos por uso de substâncias psicoativas – incluindo abuso e dependência de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas – receberam tratamento nos últimos 12 meses. E a taxa geral cai para 8,5% quando se considera o tratamento minimamente adequado.
Os achados foram publicados na edição de agosto do periódico Addiction. [1]
A Dra. Maria Carmen Viana, psiquiatra, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e uma das autoras do trabalho, falou ao Medscape sobre o estudo.
Segundo a Dra. Maria Carmen, na iniciativa da OMS, pesquisadores de vários países, inclusive brasileiros, conduziram estudos de base populacional, entrevistando pessoas em suas próprias casas. Em alguns desses países, as amostras foram nacionais, em outros foram multicêntricas ou provenientes de regiões urbanas; como no Brasil, onde o estudo envolveu a população geral adulta dos 39 municípios que compõem a Região Metropolitana de São Paulo. [2]
Além de seguir a mesma amostragem, os estudos analisados no World Mental Health Surveys Consortium utilizaram o mesmo instrumento de avaliação, o Composite International Diagnostic Interview (CIDI 3.0), que adota critérios diagnósticos descritos na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-IV, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV) e na 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
No artigo, os autores consideraram dados de 27 estudos realizados em 25 países que fizeram parte do World Mental Health Surveys Consortium. Ao todo, foram incluídas 2.446 pessoas que haviam recebido diagnóstico de transtorno por abuso de substâncias psicoativas nos últimos 12 meses. O uso de tabaco não foi considerado, porém, além do consumo de bebidas alcoólicas, explicou a Dra. Maria Carmen, foi avaliado o uso de substâncias ilícitas (cocaína e outros estimulantes; derivados da Cannabis; e alucinógenos) e o uso abusivo de psicotrópicos.
Os estudos foram agrupados de acordo com a classificação socioeconômica do Banco Mundial da região na qual os trabalhos foram realizados. Dos 27 estudos incluídos, cinco foram realizados em regiões classificadas como sendo de média e baixa rendas (Colômbia, Iraque, Nigéria, China e Peru), seis como sendo de regiões de média redna (Brasil, Bulgária, Colômbia/Medelim, Líbano, México e Romênia) e 16 como de regiões de alta renda (Argentina, Austrália, Bélgica, França, Alemanha, Israel, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Irlanda do Norte, Polônia, Portugal, Espanha, Espanha/Murcia e Estados Unidos).
Os resultados revelaram que apenas 11% dos participantes com transtornos por abuso de substâncias receberam tratamento no último ano, o que representa apenas uma em cada nove pessoas.
Indivíduos diagnosticados no último ano com alguma comorbidade psiquiátrica, como transtorno depressivo maior, ansiedade generalizada, transtorno afetivo bipolar, transtorno de pânico, fobia social e fobia específica, entre outros, apresentaram o dobro de chances de receber tratamento em comparação com os que tinham apenas transtorno por abuso de substâncias.
Os autores consideraram que receberam um tratamento minimamente adequado os participantes que foram a pelo menos quatro consultas com um profissional de saúde ao longo de um ano. Os que foram atendidos pelo menos seis vezes ao longo de um ano apenas por profissionais que não eram da área da saúde (assistente social, conselheiro de uma instituição não médica ou consultor religioso ou espiritual) ou que participaram de grupos de autoajuda também foram classificadas como tendo recebido tratamento minimante adequado, assim como os participantes que estavam em tratamento contínuo no momento da entrevista.
Entre os participantes que receberam tratamento, mais de três quartos tiveram tratamento considerado minimamente adequado. Receber tratamento minimamente adequado foi mais comum em países de alta renda e entre pessoas com comorbidades psiquiátricas.
Os resultados mostraram ainda que a maioria das pessoas com transtorno por abuso de substâncias que receberam cuidados, foi tratada por pelo menos um profissional de saúde, e que o tratamento exclusivo por profissionais que não são da área da saúde foi incomum.
Segundo a Dra. Maria Carmen, os resultados indicam que “entre pessoas que fazem uso abusivo ou têm dependência de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias psicoativas, a necessidade de tratamento é muito maior do que o tratamento que é realmente recebido”. Para a médica, existem vários fatores que explicam essa lacunade tratamento, desde a disponibilidade de serviços até a acessibilidade e a aceitação em procurar ajuda.
“Além disso, dentre aqueles que fazem contato com serviços e, portanto, buscam tratamento, somente uma porcentagem recebe tratamento adequado”, disse.
Ao agrupar os países por renda, os autores identificaram diferenças: “já sabemos que nos países de baixa renda temos menos serviços disponíveis, a expectativa de vida é menor, há mais problemas associados à pobreza e à violência e, de fato, observamos que, nesses contextos, temos menos pessoas com transtornos por uso de substâncias recebendo tratamento. Esse resultado é observado em praticamente todos os problemas de saúde, não somente os de saúde mental”, afirmou.
A Dra. Maria Carmen apresentou dados de uma subanálise do World Mental Health Surveys Consortium na 19ª edição do congresso da World Psychiatric Association (WPA), realizado em agosto em Portugal.
O trabalho, que também abordou o uso de serviços e tratamento, englobou apenas países latino-americanos (Colômbia, Peru, Brasil, México, Argentina) e mais os Estados Unidos, e avaliou os transtornos mentais de forma ampla.
De modo geral, disse a médica, a depressão maior foi o transtorno mental mais comum. E, entre os grupos de transtornos, os de ansiedade foram os mais prevalentes.
“De todos os transtornos mentais, os que receberam mais tratamento em todos os países foram os transtornos do humor e, mesmo assim, somente entre 25% a 35% foram tratados nos últimos 12 meses, com variações entre os países latino-americanos, e em torno de 60% nos EUA. Entre os países da América Latina, o Brasil foi um dos que apresentou maior uso de serviços, embora saibamos que ainda é bem precário para a população geral. Dentre todos os transtornos avaliados, os transtornos por abuso de substâncias foram os que receberam menos tratamento, em todos os países”, afirmou.
Fonte: Medscape
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