No mundo do alto rendimento esportivo, estão sendo consideradas três áreas que complementam o treinamento e impactam os resultados: a respiração, a meditação e padrões de pensamento, que também podem ser aplicadas na vida. São ferramentas que não são externamente visíveis, mas que influenciam na construção do que se costuma chamar de “mente”.
A respiração é crucial para o funcionamento do nosso organismo. Por um lado, envolve uma boa oxigenação celular, sinônimo de melhor metabolismo, mais energia biológica, força, resistência e potência. Por outro, os músculos respiratórios desempenham um papel no estímulo do sistema nervoso, especialmente nas funções autônomas. Trata-se de um recurso muito eficiente para melhorar a concentração e regular os níveis de ansiedade.
É importante saber como ampliar a capacidade respiratória. Para tal, é necessário aprender sobre os músculos respiratórios, que se movem de forma coordenada para que o ar entre e saia dos pulmões. Dentre eles, o mais importante (e menos utilizado) é o diafragma.
Conscientizar-se e dominar o movimento do diafragma é fundamental. Usamos cerca de um décimo de nossa capacidade pulmonar. Isso significa que, dos cinco litros de ar que cabem em nossos pulmões, apenas introduzimos meio litro. Muito pouco. Respirar melhor é algo que se aprende e se treina ao longo dos anos. Quando o ar entra, o diafragma desce e o abdômen se projeta para fora; quando o ar sai, o diafragma sobe e o abdômen se contrai.
Outro fator a ser considerado: quando há dificuldade para respirar, geralmente o que se deve fazer – ao contrário do que se imagina – é exalar. Esvaziar os pulmões para criar espaço, ao permitir que mais ar novo entre na próxima inspiração. Isso é contraintuitivo, pois, em situações de nervosismo ou ansiedade, tende-se a gerar tensão no diafragma, o que impede a expulsão adequada do ar e resulta na redução da troca gasosa.
O que fazer quando se está nervoso e sem ar?
Exalar mais para poder inspirar mais. Isso nos leva ao segundo aspecto: a relação entre respiração, diafragma e funções involuntárias. Há uma razão para a tensão do diafragma quando ficamos nervosos. Esse músculo, pela forma abobadada, está em repouso quando está para cima, ou seja, quando os pulmões estão vazios. E como quase nunca temos assim, o diafragma não relaxa. Para que o ar entre, o diafragma se tensa e desce, aplanando-se. Quando enfrentamos uma situação de tensão, nosso instinto de sobrevivência ativa um mecanismo que nos faz manter o ar nos pulmões e gera uma tensão no diafragma que se sente na boca do estômago.
Para liberar essa tensão nervosa, é preciso relaxar o diafragma esvaziando os pulmões, o que, por sua vez, permite relaxar o abdômen, especialmente a boca do estômago. Assim, realizar algumas respirações nasais e diafragmáticas contribui para reduzir a tensão e diminuir a ansiedade.
A respiração pode nos ajudar a concentrar?
Sem dúvida. É fácil perceber e pode-se focar a atenção nela a qualquer momento e em qualquer circunstância, tanto na solidão quanto em grupo. É uma questão de sentir como se está respirando, concentrar-se na sensação tátil do ar que toca as narinas ao inspirar e ao exalar (a respiração deve ser sempre pelo nariz), sentir o movimento do diafragma e o percurso do ar. Em pouco tempo, favorece que a mente se foque e se abstraia dos estímulos externos, reduzindo a dispersão e reunindo suas forças.
Parar os pensamentos
Ao contrário do que às vezes se pensa, meditar é uma técnica que consiste em atenuar ou parar a instabilidade dos pensamentos. Trata-se de um treinamento de concentração em um único elemento, o que resulta em um fortalecimento das funções cognitivas – chamemos de uma “força mental” – que será crucial para redirecionar pensamentos negativos que possam surgir em momentos de muita pressão.
Pode-se dizer que a mente é treinada como um músculo: gradualmente, com exercícios e constância. As técnicas, em geral, são simples, mas isso não as torna fáceis. A natureza da mente é a dispersão: está em constante processamento e produção de estímulos. A maioria deles não chega a ser consciente e, dos relativamente poucos que o são, uma quantidade ainda menor entra no campo do voluntário. Ou seja, nosso cérebro está permanentemente trabalhando e investindo energia para processar uma grande quantidade de estímulos, muitos deles inúteis e involuntários.
Quando treinamos meditação, aprendemos a “parar de pensar” por um período de tempo — a parar momentaneamente; depois, voltar a pensar e, melhor ainda! Ao atenuar a instabilidade dos pensamentos, o cérebro descansa e surgem os famosos insights. O que são? Ideias criativas, novas noções, intuições que antes não apareciam porque estavam “eclipsadas” pelo funcionamento mais barulhento da mente racional.
Para interromper os pensamentos, escolhemos uma imagem ou um som e mantemos a atenção nesse objeto de concentração, tentando não pensar em nada mais. Podemos, por exemplo, imaginar uma flor branca. E, por alguns instantes, não pensar em mais nada… É muito provável que, em pouco tempo, surjam outros pensamentos, imagens ou ideias de forma arbitrária.
O treinamento consiste em identificar essa distração o mais rápido possível e voltar a atenção ao objeto de concentração. Isso deve ser feito repetidamente, sempre que necessário. Essa prática ensina a mente a focar, proporciona descanso e estimula a criatividade, além de fortalecer as faculdades mentais.
Em que pensar para ter um melhor desempenho
Podemos traduzir a palavra "mindset" como padrões de pensamento ou mentalização. Consiste na técnica de visualização de objetivos e reeducação de condicionamentos. É saber em que pensar para que nossa estrutura biológica funcione no máximo.
É muito comum que, quando as coisas se complicam, a mente comece a agir contra nós. O sistema nervoso é muito suscetível a ameaças por uma questão de sobrevivência; isso faz com que impressões negativas fiquem muito mais impregnadas no psiquismo do que as positivas e que, em momentos de dúvida, sejamos mais propensos a pensamentos negativos. Mas, uma vez que entendemos esse mecanismo e sabemos qual é o pensamento mais construtivo, é só substituir um pelo outro na primeira oportunidade. Para isso, precisamos treinar a meditação: para ter a força e o controle mental necessários quando for preciso.
Treinar a respiração e a meditação nos permite assumir o controle dos pensamentos em momentos difíceis. São eles que constroem ou destroem, dependendo da direção que tomam, e precisamos admitir que temos muito pouco poder de escolha sobre eles. Na maioria das vezes, os pensamentos são regidos por condicionamentos. Para mudar a direção de um pensamento, precisamos trabalhar sobre o condicionamento que o gera; não adianta reprimir.
Não funciona esperar que um pensamento simplesmente desapareça sem deixar nada em seu lugar. É necessário substituí-lo por outro. Esse novo pensamento deve ser igualmente verdadeiro, mas em um formato construtivo.
Os pensamentos negativos costumam estar baseados no medo, muitas vezes um medo primário e instintivo, que gera insegurança, ansiedade, derrotismo, tristeza e raiva. Qualquer situação exigente ou em que depositamos muitas expectativas implica um desafio que nosso instinto lê como uma ameaça. A percepção de ameaça não é necessariamente negativa: se soubermos canalizá-la, pode gerar resultados muito favoráveis.
Precisamos substituí-los pela fórmula “quero…”: o que se deseja que aconteça? O que se quer realmente fazer? O medo traz pensamentos do tipo “acho que”, enquanto devemos desenvolver pensamentos do tipo “quero que”. Em vez de pensar “oh, como vou mal, quão cansado estou, que nervos”, devemos pensar “quero render ao máximo, quero que me vá bem”, quero isso, quero aquilo.
Como a tendência natural do nosso psiquismo é desistir, substituir um condicionamento por outro exige treinamento, esforço e capacidade de adaptação.
Fonte: O Globo
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