Um novo exame que exige apenas algumas gotas de sangue pode algum dia melhorar o diagnóstico das complicações vasculares potencialmente fatais nos pacientes com diabetes, de acordo com novas descobertas.
Essa nova “biópsia líquida” tem o potencial de ser um método não invasivo, clinicamente conveniente que pode analisar o DNA por meio de biomarcadores séricos muito sensíveis e prever complicações vasculares, disse o coautor do estudo, Dr. Chuan He, Ph.D., John T. Wilson Distinguished Service Professor na University of Chicago, nos Estados Unidos.
Embora variáveis clínicas para detectar as complicações vasculares do diabetes, como a albumina urinária, os níveis séricos de ALT, AST, creatinina, gama-glutamil transpeptidase e lipoproteína A pareçam ter grande sensibilidade ou especificidade clínica, acredita-se que a acurácia geral ao considerar tanto a sensibilidade como a especificidade não seja satisfatória, explicam os pesquisadores no artigo publicado em 1º de outubro no periódico Clinical Chemistry porYing Yang do Hospital Zhongnan da Universidade de Wuhan em Hubei, China, e colaboradores norte-americanos.
“Vemos esse novo exame como tendo mais acurácia do que os parâmetros clínicos ou fatores de risco existentes dessas complicações, com capacidade de diagnosticar essas complicações mais cedo”, acrescentou o coautor correspondente, Dr. Zhang Wei, Ph.D., professor associado de epidemiologia e prevenção do câncer na Northwestern University Feinberg School of Medicine, nos EUA.
“Se pudermos identificar com precisão quais pacientes estão tendo complicações, podemos ter mais estratégias de intervenção para melhorar os desfechos clínicos”, acrescentou o pesquisador.
Convidada a comentar, a Dra. Anne Peters, médica e diretora do USC Clinical Diabetes Program e professora de clínica médica na Keck School of Medicine da University of Southern California, nos EUA, explicou que o desenvolvimento de exames de sangue confiáveis para doenças graves como o câncer ou as doenças cardiovasculares “é o Santo Graal para os médicos, pois evita a necessidade de exames complexos e potencialmente arriscados, como angiografias e biópsias”.
Se este exame der certo para o diabetes, irá ajudar a “identificar as pessoas em risco destas complicações, o que pode ajudar na prevenção”, disse a médica ao Medscape.
“Qualquer coisa que ajude de forma confiável e simples a individualizar a necessidade de tratamento”, seria um grande passo adiante, acrescentou.
Pegando a biópsia líquida emprestada da oncologia
Pesquisas exaustivas vêm sendo feitas sobre o DNA livre circulante no sangue fora das células (cfDNA, do inglês Circulating Cell-Free DNA) como potencial estratégia não invasiva para o diagnóstico de alguns tipos de câncer e algumas doenças cardiovasculares.
A biópsia de tecido é, atualmente, o padrão-ouro do diagnóstico do câncer hepático, mas é relativamente cara, difícil, invasiva e demorada. Embora hoje em dia existam exames de sangue, seu desempenho na detecção precoce dos tumores não é bom, o que é particularmente problemático em caso de câncer hepático.
Os cientistas haviam usado esse mesmo exame, que exige apenas 3 mL a 5 mL de sangue, em um estudo anterior, para analisar amostras de sangue de mais de 3.000 pessoas a fim de identificar com precisão o câncer hepático nos pacientes, sem direcionar erroneamente somente para as pessoas consideradas de risco. O teste superou os atuais exames de sangue, detectando cerca de 88% dos tumores.
A nova estratégia, criada pelos Drs. Chuan e Zhang, é feita com os marcadores denominados 5-hidroximetilcitosinas (5hmC) no DNA circulante fora das células, que pode ser detectado em apenas algumas gotas de plasma.
A redução global dos níveis de 5hmC tem sido descrita em vários tipos de câncer e doenças do sistema nervoso e, mais recentemente, estudos sugeriram a correlação entre as alterações dos níveis de 5hmC e as complicações diabéticas, explicam os pesquisadores.
Promissor, mas precisa ser validado
O estudo em tela foi feito com 62 pacientes chineses com diabetes: 12 pacientes sem complicações vasculares, 34 pacientes com apenas uma complicação vascular e 16 pacientes com várias complicações vasculares. Nesta coorte, 36 pacientes usavam insulina, 34 usavam hipoglicemiantes orais, 25 usavam anti-hipertensivos e 7 usavam hipolipemiantes.
A média de idade dos participantes foi de 59 anos (variação de 34 a 86 anos) e mais de metade eram homens (61,3%; N = 38). As características ao início do estudo, como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e tabagismo, não foram significativamente diferentes entre os pacientes com ou sem complicações, ou entre os pacientes com apenas uma complicação ou com várias complicações (P > 0,05).
A coorte foi randomizada para um conjunto de treinamento (N = 31) e um conjunto de teste (N = 31). Foi identificado um perfil com 16 marcadores genéticos da 5hmC para diferenciar os pacientes com e sem complicações.
Foi calculada a pontuação ponderada para a identificação das complicações de acordo com o perfil genético de 16 marcadores e o modelo multivariado final foi elaborado a partir do conjunto de treinamento.
Os pesquisadores constataram que houve mudanças significativas nos marcadores da 5hmC associadas a complicações microvasculares e macrovasculares – o perfil com 16 marcadores genéticos da 5hmC conseguiu diferenciar com acurácia os pacientes com e sem complicações vasculares.
Tanto no conjunto de treinamento como no do teste os pacientes sem complicações tiveram pontuação significativamente menor em comparação com os pacientes com complicações.
A seguir, 50 pacientes com apenas uma complicação ou com várias complicações que tinham informações diagnósticas disponíveis também foram randomizados para um conjunto de treinamento (N = 25) e um conjunto de teste (N = 25), e outros 159 potenciais marcadores genéticos foram selecionados.
Os autores conseguiram identificar um perfil com 13 marcadores genéticos da 5hmC que pode diferenciar os pacientes com uma ou várias complicações, e a média ponderada da pontuação daqueles com apenas uma complicação diferiu significativamente entre os pacientes com várias complicações nos dois conjuntos de treinamento e de teste.
O perfil superou as variáveis clínicas convencionais, inclusive a albumina urinária.
“O preditores clínicos ou fatores de risco disponíveis atualmente, como a albumina, o IMC do paciente, o tempo de doença ou o exame de sangue para dosar as escórias nitrogenadas – são passíveis de erro e não identificam as complicações suficientemente cedo para intervir no tratamento”, explicou o Dr. Zhang.
“O próximo passo é aperfeiçoar o perfil de biomarcadores e fazer sua validação em coortes maiores e independentes”, acrescentou o pesquisador.
“Colaboradores nos Estados Unidos e na China estão trabalhando em conjunto para concluir um grande estudo de validação, e pretendemos fazer um ensaio clínico com este exame de sangue em breve”, disse o pesquisador.
Fonte: Medscape
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