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Cantor que sobreviveu por 13 horas sem fígado relata experiência de quase morte; caso foi registrado em pesquisa de médicos em SP



O caso de um cantor que sobreviveu por 12 horas e 57 minutos sem o fígado e ficou à espera de um novo transplante, depois que o primeiro órgão recebido não funcionou, foi registrado em um estudo feito por médicos do Hospital das Clínicas na capital paulista. Ocorreram outros dois casos parecidos no período da pesquisa, mas só ele sobreviveu.


De 1º de fevereiro de 2020 a 1º de fevereiro de 2021, todos os pacientes que deram entrada na unidade crítica hepática do HC e passaram por uma hepatectomia completa — remoção total do órgão — antes que um novo fígado estivesse disponível para transplante foram rastreados.


O estudo quis entender a evolução clínica de pacientes que passaram por uma situação rara: a de ficar em anepatia, ou seja, sem fígado, segundo o médico Rodolpho Augusto de Moura Pedro, um dos seis profissionais que assinam o material.


“Não se sabe exatamente qual o tempo máximo que uma pessoa pode sobreviver sem o fígado, mas a maioria dos trabalhos descreve que 48 horas resultaram em óbito. O relato de sobrevivente com maior tempo sem fígado foi publicado em 2010 nos Estados Unidos, quando um paciente sobreviveu após ficar 67 horas sem o órgão.”


Durante o período sem fígado, o paciente é mantido em coma induzido, respirando com ajuda de um ventilador mecânico, e tendo o sangue filtrado por uma máquina de diálise renal (confira mais abaixo detalhes sobre a pesquisa).


Ilka Boin, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e diretora da Unidade de Transplante Hepático HC/Unicamp, explica que o órgão é uma glândula que tem aproximadamente 2% do peso corporal e é responsável pelo metabolismo de proteínas, gorduras e carboidratos.


“Ele é a nossa fábrica, praticamente. A gente come, é feita a digestão, tudo vai ser transformado em pequenas gorduras, proteínas e carboidratos, e isso vai ser absorvido pelo intestino.”


Experiência de quase morte


Nando Lopes, de 53 anos, é de Goiânia (GO), mas mora em São Paulo desde 1995. Ele foi internado para receber o primeiro transplante em 9 de janeiro de 2021, e quatro dias depois da cirurgia ficou em estado grave.


A equipe médica tinha duas opções: tentar estabilizar o paciente ou tirar o órgão para interromper a piora e aguardar o novo. A situação é considerada rara.


Durante as quase 13 horas que ficou entre a vida e a morte, Nando teve alucinações, mas também considera algumas cenas como reais e acredita que passou uma experiência de quase morte (EQM), o fenômeno que pode ocorrer com indivíduos que estão próximos da morte ou em situações de perigo físico ou emocional intenso.


“Eu me via ali [no quarto do hospital] e eu ficava meio sem saber o que estava acontecendo. E às vezes eu me via sem corpo e falava: 'Quem sou eu? Quem é essa pessoa também? Eu estou pensando como Nando, então eu sou o Nando'. Tinha esse raciocínio e lucidez."  


“Jamais passou pela minha cabeça que eu estava fora do corpo. Eu tinha consciência de que eu estava ali para um transplante. E pensava: 'Será que o fígado que colocaram em mim, será que estou assumindo a personalidade dessa outra pessoa e estou me vendo?'”, lembra.

Nando não viu um túnel ou uma luz, como ocorre em alguns dos relatos de EQM, mas diz que esteve em um lugar com vidros que parecia o saguão de um aeroporto.


“Para mim, era o aeroporto de Brasília e vi dois amigos meus. Um deles chegou e lembro da fala: 'Nandinho, você por aqui?' E o outro também: ‘Ei, campeão’. Era o jeito que falavam comigo em vida. Mas eu logo pensei: ‘Eles já morreram. O que eu estou fazendo aqui? Eu devo ter vindo resgatá-los, mas nunca ouvi sobre resgatar alguém. Vamos ver o que vai acontecer aqui'."

Um desses amigos morreu há cerca de quatro anos, de câncer, e outro há um ano, de acidente de carro. Na sequência, o paciente afirma que parecia flutuar ao lado da cama, até onde se lembra.


“O atual fígado veio do Nordeste, de um rapaz que morreu de acidente.”


A internação durou um mês e quatro dias até a alta, em fevereiro de 2021. Ao sair do hospital, o recém-transplantado pegou Covid no dia seguinte, mas não apresentou sintomas.


Atualmente, Nando pratica corrida e caminhada. “Continuo cantando normal e faço a produção de outros cantores."


Os primeiros sintomas de problema no figado foram sentidos em 2015 e se agravaram em 2021, quando a barriga cresceu, e os inchaços nas pernas pioraram. O diagnóstico foi "colangite biliar primária", uma doença crônica e autoimune que pode evoluir para cirrose, doença hepática terminal e morte.


Após o primeiro transplante, o caso dele não foi considerado rejeição, e sim alguma complicação que já teria vindo com o órgão novo.


Ilka Boin, diretora da Unidade de Transplante Hepático HC/Unicamp, diz que a rejeição após o transplante de fígado é de cerca de 10% a 20% dos casos, mas são normalmente tratáveis, e o índice fica abaixo das taxas relacionadas a transplantes de coração, rim e pâncreas.


Pesquisa brasileira


A pesquisa sobre pacientes que ficaram sem fígado por algumas horas foi realizada para entender a evolução clínica e laboratorial de quem passou pela situação.


“A pesquisa tinha como objetivo revisar, entender e descrever o comportamento clínico e laboratorial. Quando um paciente desenvolve uma falha aguda intensa do fígado, seja por uma doença nova ou por uma insuficiência do fígado transplantado, existe uma alta chance de mortalidade. Neste cenário, cada hora pode ser a diferença entre a vida e a morte”, explica o médico Rodolpho.


No caso de Nando, o órgão ficou inflamado dentro do corpo. Nesta situação, os médicos só conseguem manter o suporte em UTI e torcer para que o paciente suporte até que um novo fígado apareça, ou remover o fígado doente, em uma tentativa de interromper a piora rápida dos demais órgãos.


“Esta é uma situação de risco extremo em que o paciente usualmente se encontra entre a cruz e a espada. Os médicos precisam pesar riscos e benefícios de cada escolha, sabendo que a chance de um desfecho ruim é altíssima em ambos os cenários.”


A pesquisa foi publicada no Brazilian Journal of Anesthesiology e pode ser consultada por equipes médicas que enfrentem situações parecidas. Os outros dois pacientes, que permaneceram sem fígado por 6 horas e 18 horas e conseguiram receber um novo fígado, morreram no pós-operatório.


Fonte: G1

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