Era por volta de 6h quando Osmar Tomé, de 54 anos, se preparava para sobrevoar uma plantação no município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. Ao tentar dar a partida no avião agrícola, o piloto percebeu que a hélice não se movimentava, desceu do veículo e quis consertar ele mesmo o que acreditava ser um problema na bateria.
Enquanto Tomé mexia no equipamento, a hélice deu três voltas de uma só vez, decepou o antebraço esquerdo dele na altura do cotovelo e arremessou o membro a mais de 50 metros de distância. O movimento brusco também mutilou o polegar e o indicador da mão direita do piloto. “Na hora, caí de joelhos, olhei para o que sobrou do braço e pensei: não conseguirei voar nunca mais”, conta o homem, ao se lembrar do acidente vivido em fevereiro deste ano.
Com os nervos à mostra e o sangue jorrando, Tomé esperou alguns minutos até que o funcionário que voaria com ele chegasse ao local – o rapaz não estava na hora do acidente porque tinha ido na casa do piloto buscar a chave da bateria do veículo. Quando o outro homem voltou, o piloto insistiu para que os dois procurassem o braço e ligassem para um amigo médico.
A parte do braço arrancada pela hélice foi encontrada por vizinhos que, naquela altura, tinham se juntado às buscas. O antebraço foi guardado dentro de uma sacola com soro fisiológico, que foi armazenada em uma caixa refrigerada – exatamente conforme havia sido orientado pelo médico amigo. O piloto foi levado para a UPA (unidade de pronto-atendimento) do município e recebeu encaminhamento para o hospital de Barreiras, a cerca de uma hora de distância de Luís Eduardo Magalhães.
Tomé, entretanto, não pegou o rumo do hospital vizinho. Decidiu vir para Brasília, buscar atendimento especializado. O amigo médico de Tomé conhecia um cardiologista, que conhecia o ortopedista Bruno Veronesi. Em questão de algumas horas, o piloto soube que havia uma chance real de o braço ser reimplantado e acionou a rede de conhecidos para conseguir um avião particular que o transportasse para o Distrito Federal.
“Não desmaiei nem tomei remédio para amenizar a dor”, relatou o piloto e acrescentou, com tranquilidade, que os anos de experiência na aviação fizeram-no manter a calma. “Não tive medo de morrer, mas fiquei preocupado porque estava perdendo muito sangue. Acho que foram uns quatro litros até entrar na sala de cirurgia. E fui andando da pista de voo até a van que me levou à ambulância, e da ambulância até o centro cirúrgico”, lembra.
O médico Bruno Veronesi, especialista em cirurgias de mão e microcirurgias reconstrutivas, aceitou o desafio de reimplantar o membro removido. “Sempre tenho instrumentos esterilizados, o que tornou a intervenção muito mais rápida”, contou.
De acordo com Bruno, quando a amputação é no antebraço ou no braço, o tempo para tentar realizar um reimplante é de aproximadamente seis horas. Tomé foi levado à sala de cirurgia faltando cerca de meia hora para o término desse prazo, às 11h30.
Cirurgia inédita no DF
Veronesi, que trabalha no hospital Sírio-Libanês, afirmou que a operação de Osmar Tomé foi a primeira desse tipo no DF. O nome do evento é amputação extensa por mecanismo de trauma de avulsão: significa que não há corte, e sim o arrancamento do membro. Cirurgias para reparar membros assim exigem ainda mais meticulosidade, pois as estruturas lesadas precisam ser encaixadas totalmente.
“Nós utilizamos microscópios e lupas cirúrgicas para conectar pequenas estruturas, com poucos milímetros de espessura, como vasos sanguíneos e nervos periféricos”, explica o cirurgião. Além disso, a taxa de infecção em reimplantes assim é alta, de forma que poucos médicos aceitariam tentar restaurar o membro.
O ortopedista Bruno Veronesi explica que cada operação é única, mas, geralmente, o processo começa com a ligação das partes mais complexas, como os ossos e as artérias. Em seguida, são feitas as conexões de músculos e veias pequenas. No caso do piloto, só a recolocação do antebraço no lugar durou cerca de oito horas. Outras duas cirurgias foram feitas desde então.
O cirurgião atribui o sucesso do tratamento às condições de saúde do paciente, à agilidade do transporte até Brasília e à preservação correta do antebraço.
“Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não se pode colocar o membro amputado no gelo. O jeito certo é inserir em um recipiente com soro fisiológico – uma sacola, por exemplo – e aí sim, essa embalagem deve ser mantida em contato com gelo”, explica. A ligação para o amigo médico no momento do acidente garantiu que o membro decepado fosse armazenado corretamente.
O piloto iniciou o processo de fisioterapia em abril, dois meses após o acidente, e já recuperou o movimento e parte da sensibilidade do membro reimplantado. Sete meses após o acidente, Tomé já consegue abrir e fechar a mão e lavar o cabelo sozinho. Ele planeja voltar a pilotar aviões de pequeno porte no início de 2023 e, no último dia dos pais, teve um momento especial graças à cirurgia. “Consegui abraçar minhas filhas, foi emocionante.”
Fonte: Metrópoles
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