A falta de acesso à radioquimioterapia no Sistema Único de Saúde (SUS) durante o tratamento do câncer de colo uterino levou a déficit de aproximadamente 50 milhões de dólares em 2016. O valor é referente às mortes que teriam sido evitadas com a oferta universal do tratamento. A estimativa foi feita por pesquisadores canadenses e brasileiros e publicada recentemente no periódico Clinical Oncology. [1]
Um dos autores do estudo, o Dr. Lucas Mendez, radio-oncologista da Western University, no Canadá, falou ao Medscape sobre o trabalho.
Com informações sobre o ano de 2016 provenientes do Ministério da Saúde, os autores identificaram que, neste período, apenas 53,4% do número total de pacientes que deveriam ter recebido radioterapia pelo SUS efetivamente fez o tratamento. [2]
“Com base nesses dados, entende-se que a alocação do recurso seja homogênea nos diferentes tipos de câncer necessitando radioterapia no país e, consequentemente, estima-se que cerca de 46% das pacientes com câncer de colo uterino diagnosticado no ano de 2016 não receberam tratamento com radioterapia no mesmo ano”, esclareceu o Dr. Lucas. Isso significa que, em 2016, mais de 4.000 mulheres com câncer de colo uterino atendidas no SUS não receberam radioterapia.
O médico lembrou que a radioterapia tem um papel fundamental no tratamento de pacientes com câncer de colo uterino. “Este tratamento, em conjunto com a cirurgia, é a única modalidade terapêutica que pode resultar em elevados níveis de cura do câncer de colo uterino localizado (não metastático). Em pacientes com tumores volumosos (> 4 cm; com extensão para tecidos adjacentes ao colo uterino ou com linfonodo positivo), a radioterapia destaca-se como tratamento de primeira linha, de acordo com as recomendações do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) e do Ministério da Saúde. É importante destacar que, na maioria dos casos, a radioterapia deve ser feita junto com quimioterapia radiossensibilizadora e, idealmente, com braquiterapia (radioterapia interna), uma vez que, não usar esses tratamentos resulta em menos chance de cura”, afirmou Dr. Lucas.
Diante disso, Dr. Lucas e colaboradores estimaram o benefício monetário da universalização do acesso à radioquimioterapia para pacientes com câncer de colo uterino. A análise mostrou que, anualmente, seriam necessários 10,5 milhões de dólares para preencher a lacuna da radioterapia, e um adicional de 3 milhões de dólares para ampliar o acesso desses pacientes à quimioterapia.
Como esse tipo de tumor afeta mulheres jovens, os autores estimaram que o acesso universal ao tratamento levaria a um aumento médio na expectativa de vida de cada paciente de aproximadamente 20 anos. O custo de vida salva foi estimado em 7.942 dólares para radioterapia isolada e 8.774 dólares para radioquimioterapia. Quando a equipe considerou a perda de produtividade relacionada com a morte precoce e os custos médicos diretos, observou que o impacto econômico da falta de acesso à radio e radioquimioterapia foi de, respectivamente, 48,9 e 55,4 milhões de dólares para a população brasileira.
O Dr. Lucas disse que, do ponto de vista econômico, as estimativas de perda são mais diretamente calculadas e levam em consideração a perda da produtividade média devido à morte precoce ou invalidez. No entanto, destacou: “a falta de acesso universal à radioterapia no sistema público de saúde do nosso país tem consequências imensuráveis do ponto de visto ético, moral e social”. Na prática, o déficit é, na verdade, superior aos 50 milhões de dólares, visto que a perda é reincidente nos anos subsequentes e anteriores a 2016.
“É evidente também que a estimativa de perda econômica seria muito superior a este valor caso o cálculo levasse em consideração todos os tumores na qual a radioterapia tem impacto comprovado em sobrevida”, acrescentou.
A falta de universalização da radioterapia no âmbito nacional tem, segundo o pesquisador, múltiplos fatores que incluem, mas não se limitam, “ao reduzido número de aceleradores lineares no país, à distribuição heterogênea destes aparelhos nas diferentes regiões do Brasil, à escassez de profissionais médicos e não médicos devidamente treinados nos diferentes rincões do país e à má remuneração da radioterapia pelo sistema público de saúde”.
O Dr. Lucas ressaltou que, especificamente no cenário do câncer de colo uterino, o uso da braquiterapia possui fundamental importância em maximizar as chances de cura. No entanto, “a disponibilidade desses serviços no país é ainda mais restrita, e vários estados da federação não possuem um único serviço que disponibilize este tratamento”, lamentou.
Fonte: Medscape
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