Filadélfia, EUA — Uma metanálise de cinco ensaios clínicos deflagra um novo “sinal de alerta” em relação ao risco cardiovascular associado ao consumo das bebidas chamadas de energéticas, ou simplesmente energéticos, embora os autores suspeitem que seus efeitos nocivos não possam ser atribuídos direta e exclusivamente ao alto teor de cafeína. [1]
“Na consulta médica, geralmente falamos sobre colesterol, tabagismo e exercício (…) mas também precisaríamos indagar de rotina os pacientes acerca do consumo de energéticos, e em qual quantidade, porque suas consequências podem ser desastrosas”, disse ao Medscape um dos principais autores do estudo, Dr. Carlos Alviar, cardiologista e diretor da Unidade Coronarianado Bellevue Hospital Center, nos Estados Unidos, afiliado à New York University School of Medicine.
O Dr. Carlos apresentou o novo estudo nas sessões científicas de 2019 da American Heart Association (AHA), realizadas na Filadélfia. Outros autores do trabalho foram dois cardiologistas brasileiros, que também trabalham nos Estados Unidos, os Drs. Alexandre Benjo e Francisco Nascimento, além da cardiologista colombiana Dra. Valentina Jaramillo, da Facultad de Medicina de la Universidade CES, na Colômbia.
A metanálise mostrou uma relação significativa do consumo desse tipo de bebida com um discreto prolongamento do intervalo QT após duas a três horas (6,13 ms; intervalo de confiança, IC, de 95% de 2,92 a 9,34 ms ; P < 0,001) e aumento da pressão arterial sistólica (4,51 mmHg; IC 95% de 3,16 a 5,87 mmHg; P < 0,001). E, embora a magnitude do efeito (temporário) possa parecer sem importância do ponto de vista clínico, para o Dr. Carlos o risco não deve ser negligenciado.
“Nos ensaios clínicos, as doses e outras doenças são controladas. Mas, na vida real, onde se tomam doses maiores ou com bebidas alcoólicas isso causa hipomagnesemia; o uso regular de energéticos pode juntar os elementos para deflagar uma catástrofe: a arritmia ventricular”, alertou o pesquisador. “Especialmente entre os jovens”, acrescentou.
“Algo diferente da cafeína”
No novo estudo de extensão do estudo prévio apresentado em março no Acute Cardiovascular Care Congress 2019, na Espanha, Dr. Carlos e colaboradores examinaram todos os ensaios clínicos randomizados do banco de dados PubMed entre 1996 e 2019, comparando os efeitos cardiovasculares do consumo de energéticos aos dos controles. [2] Os pesquisadores identificaram cinco estudos que preenchiam todos os requisitos, todos publicados a partir de 2016, entre eles, um trabalho recente de Shah e colaboradores com 34 participantes (média de idade: 22,1 anos), e as doses usadas foram equivalentes a quatro latas (quase um litro). No total, os dados agrupados disponibilizaram 139 comparações de pessoas saudáveis e jovens. [3]
Em quatro dos cinco estudos incluídos, o consumo de energéticos mostrou aumento da pressão arterial sistólica e prolongamento do intervalo QT, com um valor máximo das faixas do intervalo de confiança de 95% que atingiu 8,43 mmHg e 21,75 ms, respectivamente. Apenas um estudo mostrou uma diferença média negativa do intervalo QT (- 3 ms) entre os consumidores dessas bebidas. A heterogeneidade dos estudos foi baixa, de acordo com o índice estatístico I2 (0% para a medida da variável eletrocardiográfica e 15% para a pressão arterial).
Os resultados da análise combinatória “sugerem que o uso de energéticos está associado à hipertensão sistólica e a um discreto prolongamento do intervalo QT, embora sejam necessários estudos maiores para confirmar esses achados e oferecer dados mais claros”, concluíram os autores.
Os energéticos contêm em geral entre 20 mg e 100 mg de cafeína a cada 100 mL, portanto, uma lata de 250 mL pode contribuir com menos da metade ou até um quarto do conteúdo de cafeína de um copo de café do Starbucks.
No entanto, segundo o Dr. Carlos, seria precipitado atribuir a responsabilidade dos efeitos cardiovasculares unicamente a esse alcaloide. “De fato, existem estudos nos últimos 15 anos que mostram que o alto consumo de café está associado à redução da mortalidade cardiovascular ou por qualquer causa”, disse o pesquisador ao Medscape.
“Minha hipótese é que algo diferente da cafeína cause os problemas”, acrescentou, embora tenha dito não saber se poderia ser a interação com aminoácidos, carboidratos, vitaminas, extratos de ervas ou outras substâncias da bebida; ou se beber todo o volume em pouco tempo (shot) é o que produz efeitos fisiológicos diferenciados.
O consumo excessivo ou concomitante de bebidas alcoólicas no intuito de reduzir a percepção subjetiva dos efeitos tóxicos etílicos parece agravar o cenário.
Por enquanto, em um estudo recente com pacientes atendidos entre 2000 e 2018, Dr. Carlos e colaboradores observaram que a intoxicação por cafeína por causa dos energéticos tende a estar associada ao consumo concomitante de bebidas alcoólicas e outras drogas recreativas, além de uma incidência mais alta de manifestações cardiovasculares em comparação com outras formas de intoxicação por cafeína. [4]
Para ajudar a elucidar algumas dessas questões, o professor associado da Leon H. Charney Division of Cardiology,da New York University School of Medicine, antecipou para o Medscape que eles estão em fase de conclusão da análise de um ensaio clínico com um desenho de casos cruzados comparando os efeitos cardiovasculares pontuais dos energéticos aos do café, de uma solução de cafeína e do placebo. “Esperamos apresentar os resultados no ano que vem”, afirmou.
Existe uma dose segura?
Na literatura médica, a maioria dos casos agudos está relacionada com a ingestão de grandes quantidades de energéticos, geralmente junto com bebidas alcoólicas. Em 2012, dois dos autores da nova metanálise, os Drs. Alexandre e Francisco descreveram, juntamente com quatro colaboradores do Mount Sinai Medical Center, nos EUA, o episódio de uma paciente de 24 anos que apresentou palpitação e trombose da artéria coronária esquerda após consumir três doses de energético misturado com vodca. [5]
No entanto, no ano passado, um estudo feito com voluntários sadios sugeriu que uma única lata de 710 mL de energético é suficiente para diminuir a capacidade de dilatação arterial em 50%, o que “traz mais evidências do potencial de dano”, alertaram os autores.
“Uma única lata, apenas uma vez, duvido que tenha efeitos arriscados”, disse o Dr. Carlos. “Mas para os pacientes que já têm comprometimento cardiovascular ou alterações comprovadas, minha recomendação de consumo é zero.”
E os jovens sem doença cardiovascular, que, por exemplo, recorrem aos energéticos para estudar? “Minha recomendação é tomar café, chá ou chocolate amargo, que são estimulantes naturais”, disse o pesquisador.
Outros cardiologistas concordam com esse ponto de vista.
Em uma nota recente no site da Sociedad Argentina de Cardiología (SAC), o Dr. Juan Carlos Pereira Redondo, diretor do Consejo Argentino de Hipertensión Arterial da entidade, disse que “se uma pessoa saudável tomar uma lata de energético de vez em quando não há problemas, o problema aparece quando o consumo é mais frequente ou em caso de história de cardiopatia. Pessoas com palpitações, extrassístoles, história familiar de arritmia ou morte súbita não devem tomar energéticos sem supervisão médica”. [6]
Enquanto isso, outro colega argentino, Dr. David Doiny, secretário científico do Consejo de Arritmias da Sociedad Argentina de Cardiología, alertou na mesma nota sobre o risco de interação dessas bebidas com medicamentos que prolongam o intervalo QT, como alguns antidepressivos.
Fonte: Medscape
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