Em um e-mail enviado na semana passada aos 440 mil funcionários do UnitedHealth Group, o diretor executivo Andrew Witty destacou mensagens de uma sobrevivente de câncer de mama e de outros cinco pacientes elogiando a seguradora após o assassinato de um de seus principais executivos.
No entanto, desde que Brian Thompson, que dirigia a vasta unidade de seguros UnitedHealthcare do grupo com sede em Minnesota, foi morto a tiros no centro de Manhattan no início deste mês, a simpatia pela maior seguradora de saúde dos Estados Unidos, que cobre cerca de 50 milhões de pessoas, tem sido escassa.
As ações do suposto atirador —Luigi Mangione, de 26 anos, um graduado da Ivy League que sofria de uma condição na parte inferior das costas e reclamava em um manifesto sobre como empresas como a UnitedHealth "abusam do nosso país para obter lucros imensos"— intensificaram um dos debates nacionais mais espinhosos dos EUA: como consertar um sistema de saúde que muitos consideram quebrado.
Mangione, que foi acusado de assassinato pelos promotores de Nova York, deve se declarar inocente, segundo seu advogado.
O descontentamento generalizado em relação ao sistema de saúde dos EUA não é surpresa, de acordo com Mark Bertolini, ex-diretor executivo da seguradora de saúde Aetna, que agora dirige a start-up Oscar Health. "O que aconteceu com Brian é inconcebível, mas a raiva dos pacientes é justificada", disse ele.
O problema, disse Bertolini, resulta da "guerra entre os prestadores de serviços de saúde e as seguradoras" sobre quais tratamentos são cobertos e quem arca com os custos.
Os pacientes estão "presos no meio" de um sistema complexo e burocrático, onde as contas médicas e as despesas não cobertas pelo seguro estão aumentando, mas o sentimento em relação à provisão e qualidade do atendimento piorou, acrescentou.
Os gastos com saúde por residente nos EUA são de US$ 12 mil (cerca de R$ 72,5 mil, na atual cotação) por ano —pelo menos 50% mais caros do que em qualquer outro país rico. Os EUA, além disso, ocupam o 60º lugar no mundo em expectativa de vida, de acordo com o Peterson-KFF Health System Tracker.
Uma versão dessa estatística foi citada por Mangione em uma mensagem manuscrita que ele carregava quando foi preso na Pensilvânia. A UnitedHealth disse que Mangione nunca foi cliente de um de seus planos de seguro.
As seguradoras são apenas uma parte do cenário de saúde dos EUA. Cerca de 60% dos americanos obtêm cobertura através do trabalho, no qual o empregador subsidia parte do prêmio do seguro, de acordo com a Kaiser Family Foundation. No Brasil, essa modalidade é chamada de coparticipação.
Os outros dependem de programas federais ou estaduais, como o Medicare para idosos e o Medicaid para indivíduos de baixa renda.
A maior mudança recente no seguro de saúde dos EUA ocorreu com a promulgação da Lei de Cuidados Acessíveis, amplamente conhecida como Obamacare, em 2010, que expandiu a cobertura do Medicaid. Também criou mercados de seguros de saúde administrados pelo governo e restringiu as seguradoras de negar cobertura com base em condições preexistentes.
A legislação fez com que dezenas de milhões de americanos anteriormente não segurados tivessem seguro.
Empregadores ou o governo desempenham um papel fundamental na escolha de quais tratamentos permitir ou restringir em diferentes planos. No entanto, as seguradoras enfrentam a tarefa impopular de aplicar essas políticas, gerenciando reivindicações e determinando a elegibilidade para testes e tratamentos.
Uma pesquisa da KFF publicada no ano passado descobriu que 18% dos adultos segurados nos EUA tiveram reivindicações negadas no ano passado. Quase 75% dos 210 funcionários de saúde pesquisados para um relatório da Experian Health, divulgado em setembro, disseram que as negações de reivindicações estavam aumentando.
Mais de 20 milhões de americanos devem alguma dívida médica, de acordo com uma análise da KFF —no total, eles devem US$ 220 bilhões (R$ 1,3 trilhão). Entre os endividados, cerca de 14 milhões devem mais de US$ 1.000 (R$ 6.000) e cerca de 3 milhões de pessoas devem mais de US$ 10 mil (R$ 60 mil).
Joseph Betancourt, médico de cuidados primários no Hospital Geral de Massachusetts que também atua como presidente do Commonwealth Fund, uma organização sem fins lucrativos de saúde, disse que muitas vezes ele solicita uma ressonância magnética para um paciente, mas a seguradora lhe diz que uma tomografia computadorizada mais barata ou um raio-X é preferível.
Negativas diretas de procedimentos complexos ocorrem com menos frequência, mas são ainda mais controversas, acrescentou.
Betancourt disse que entendia a necessidade de prevenir o uso de testes, medicamentos ou procedimentos desnecessários e caros para controlar os custos, mas disse que cada vez mais as seguradoras estavam "extrapolando os limites e intervindo nas decisões clínicas".
Outra das maiores seguradoras de saúde dos EUA —Anthem Blue Cross Blue Shield— na semana passada reverteu planos de limitar a cobertura para cuidados de anestesia para cirurgias que se prolongassem além de um certo limite de tempo em três estados, incluindo Nova York.
O grupo disse em um comunicado que houve "desinformação significativa e generalizada" sobre a política e, como resultado, decidiu não prosseguir.
"A parte que torna isso dolorosamente agudo para pacientes e prestadores é quando essas seguradoras têm fins lucrativos e estão fazendo escolhas em torno da redução de custos, mas ao mesmo tempo gerando lucros incríveis para os acionistas", disse Betancourt.
O UnitedHealth Group, que gera cerca de 75% das receitas da unidade de seguros, reportou lucros líquidos recordes de US$ 23,1 bilhões (R$ 139,5 bilhões) no ano passado. Os lucros da UnitedHealth sofreram um impacto este ano devido a mudanças em certos planos do Medicare, mas em 2025 eles estão projetados para subir para US$ 26,1 bilhões (R$ 157,7 bilhões), de acordo com estimativas de consenso de analistas.
De acordo com uma pesquisa recente do Pew Research Center, os americanos veem a acessibilidade dos cuidados de saúde como o segundo maior problema enfrentado pelo país —atrás apenas da inflação, e à frente de questões como imigração ilegal e violência armada.
Em uma coluna para o The New York Times, publicada na sexta-feira, Andrew Witty, da UnitedHealth, reconheceu que "as razões por trás das decisões de cobertura não são bem compreendidas".
E acrescentou: "Compartilhamos parte da responsabilidade por isso." A UnitedHealth disse que aprova 90% das reivindicações após submissões e apenas 0,5% são revisadas por razões médicas.
Matt Eyles, um veterano da indústria de saúde que anteriormente liderou a AHIP, um órgão da indústria para seguradoras de saúde, disse que o setor suportava o peso das críticas por ser "sem rosto" em contraste com um hospital "que você passa de carro a caminho do trabalho, onde você ou seus amigos ou familiares tiveram que ir para a sala de emergência".
Dado o descontentamento expresso na semana passada, Dan Mendelson, diretor executivo da Morgan Health, uma divisão do JPMorgan que investe em inovações para cuidados de saúde patrocinados por empregadores, disse que "foi surpreendente ver como no ciclo eleitoral [de novembro] saúde não foi um grande tópico".
"A única maneira de mudar qualquer coisa é com uma legislação importante —e não tenho certeza se há entusiasmo para isso", acrescentou Mendelson.
"Será interessante ver quanto tempo essa tempestade leva para passar. E quando passar, se alguém muda alguma coisa", disse Bertolini, da Aetna.
Fonte: Folha de São Paulo
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