Transcender. Foi isso que a dentista Raquel Trevisi, de Presidente Prudente (SP), teve de fazer depois de ser diagnosticada com a Covid-19. Saudável e praticante ativa de atividades físicas, ela enfrenta diariamente a batalha de recuperação da doença.
"Havia algum tempo eu já estava preparada a receber o diagnóstico, por ser algo que já estava acontecendo com o mundo. Mas, claro, não esperava em uma forma tão grave a doença", disse Raquel ao G1.
A certeza de que havia sido contagiada ocorreu logo nos primeiros sintomas, na madrugada do dia 8 de setembro. De acordo com Raquel, tudo foi muito forte, algo diferente de tudo o que já havia sentido.
"Infelizmente, embora eu me cuidasse muito, seguisse todos os protocolos e saísse de casa apenas por extrema necessidade, é difícil saber exatamente onde ocorreu o contágio, o vírus está aí para todos", ressaltou a dentista, de 38 anos.
Sua chegada ao hospital foi no segundo dia de sintomas, com apenas 5% dos pulmões comprometidos. Raquel contou ao G1 que, mesmo sendo tratada com cuidado e competência, a replicação viral foi muito grande. "O uso do medicamento foi feito com orientação médica, mas já no segundo dia eu estava me sentindo muito mal, então, fui ao hospital, onde foram feitas tomografia e gasometria, os dois exames estavam alterados, mas a doutora pediu para eu voltar para casa, tomar um banho, ver meus filhos e entrar em contato com ela caso eu sentisse qualquer desconforto. Foi exatamente o que fiz, porém, já comecei a sentir falta de ar. Retornei ao hospital sabendo que não voltaria tão cedo. Os meus pulmões estiveram 85% comprometidos uma semana depois que fui internada e transferida para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]", lembrou.
Logo que foi diagnosticada, o quadro clínico já se agravou. Foram 16 dias de ventilação mecânica, sendo duas intubações, 18 horas em posição de prona e 20 dias de internação na UTI, totalizando 30 dias de hospitalização.
Todo o caminho percorrido, até o momento, tem mostrado a Raquel que o processo de recuperação ainda está acontecendo.
Além da reabilitação física, a dentista contou ao G1 que também se recupera de uma trombose que teve no braço e na perna esquerda, que ocorreu através de uma complicação durante a internação. "Pontuar uma dificuldade, em si, eu não consigo. O processo ainda está acontecendo. Não vou dizer que foi difícil, pois eu aceitei a doença desde o princípio, entreguei a Deus. E, quando há aceitação, há a entrega a Ele, as coisas vão fluindo. Não consigo pontuar uma dificuldade em si.
Eu sempre acreditei que tudo que eu estava passando fazia parte do processo, então, em nenhum momento eu disse: 'Está sendo difícil'. Mas tive de reaprender tudo, absolutamente, pois saí do hospital na cadeira de rodas mexendo praticamente só o pescoço. Então, revendo toda história, o mais difícil foi o momento que encontrei minha família em frente ao hospital e não consegui abraçar meus filhos", contou ela ao G1. A vida surpreendeu a dentista, que aceitou o desafio.
Raquel disse ao G1 que crê que a cabeça comanda absolutamente tudo, porém, para estar com a cabeça positiva e com a certeza da recuperação completa, são necessários um apoio da família, muito amor e uma fé inabalável. "A minha família e eu sempre fomos muito unidos. Nossas vidas sempre foram envoltas de muito amor. Temos o hábito de estarmos juntos em todo final de semana, trabalhamos juntos, viajamos juntos e sempre emanando muita alegria. Meus pais nos ensinaram assim e eu e meus irmãos desconhecemos algo diferente disso. Minha relação com meu marido sempre foi de muita paz, amor e cumplicidade. Meus filhos sempre tiveram o amor como sinônimo de família. Creio que tudo isso seja a presença de Deus em nossas vidas e com certeza é o grande apoio para passar pelos obstáculos da vida e não os enxergar como dificuldades", enfatizou. Com o início da pandemia do novo coronavírus, Raquel falou que seu pensamento foi muito intenso aos desassistidos, tanto em relação à doença quanto nos sentidos psicológico e financeiro, entre outros aspectos. "A intubação deixou esse sentimento ainda mais forte em meu coração. Eu não pensava em mim ali, eu pensava como o outro estava. As pessoas diziam que iriam orar por mim, eu pedia para que orassem pelos outros e não por mim. E assim está sendo até hoje. Sou muito bem assistida, tenho todo amor de minha família, condições de suplementar para recuperação dos 25 quilos de massa magra que perdi, fisioterapia duas vezes por dia, plano de saúde, e assim vai. E como estão aqueles que não têm condições nenhuma? Que o único sustento é o trabalho, que não têm condições para uma alimentação adequada, não têm condições para uma fisioterapia para reabilitação? Meu coração tem sido tocado desde o princípio. E hoje, eu e Renata Cazuza, que é chefe de enfermagem que cuidou de mim na UTI, criamos o projeto Com.Vida [@projeto.com.vida], um projeto de apoio àqueles que necessitam de atendimento pós-UTI. Qualquer que seja a necessidade, estaremos prontas para amparar. Então, da doença nasceu esse lindo projeto", detalhou ao G1. Sem comorbidades, sem vícios e com alimentação saudável, essa sempre foi a rotina de Raquel. A dentista leva vida de atleta e sempre seguiu todos os protocolos de prevenção. Apesar de não fazer parte de nenhum grupo de risco, a doença atingiu e mudou completamente a vida da dentista. "Minha vida era direcionada ao trabalho, treino e família. Não voltei ao trabalho e nem tenho planos pré-datados para meu retorno, já que a motricidade fina foi muito afetada e ainda estou em processo de reabilitação. Quando se passa por muito tempo em coma, o processo é longo, não dá pra programarmos algo que a gente queira, mas, sim, respeitar aquilo que nosso corpo está pronto. O treino foi substituído por sessões de fisioterapia, sendo assim, posso considerar como treino? E a família, como sempre, uma relação de amor que não se mede", explicou ao G1. Raquel sempre foi praticante ativa de crossfit.
"Não existem estudos relacionados a atividade física de alta intensidade pós-Covid-19 grave. A doença é muito mais complexa do que todos imaginam e o que meu cardiologista orienta é que alta intensidade é liberada apenas após seis meses da doença. Hoje os exercícios físicos que faço são aqueles liberados pelo meu cardiologista, o doutor Osmar Marchioto Júnior, monitorado por minha fisioterapeuta Raquel Napolitano, o quais consistem em vários exercícios que englobam a fisioterapia. Sem monitoramento, sou liberada apenas para natação e remo", pontuou. A dentista ainda acrescentou: "Essa doença é desconhecida e em cada pessoa se manifesta de forma diferente. É menos comum uma complicação em uma pessoa como eu? Sim, mas acontece. Nada e ninguém é descartado de uma complicação. Como ninguém conhece a doença, não é possível pontuar uma causa exata no meu caso, mas infelizmente sabemos que quem pratica exercício de alta intensidade não possui uma imunidade ideal. Acredito que esse tenha sido o meu único ponto negativo".
Para o futuro, Raquel disse ao G1 que tem apenas um plano, que é o de contar a sua história, tocar, transformar e salvar vidas através de seu testemunho. "O resto? Viver um dia de cada vez. No momento em que eu sentir que estou pronta para retomar os treinos, voltar a trabalhar e chegar próximo à rotina que eu tinha antes, eu farei", pontuou. A dentista ficou internada durante 30 dias em um hospital particular, que, segundo ela, está tendo apenas vitórias diante da luta contra a Covid-19.
"Sem palavras para agradecer a todos os médicos e equipe. Em todos os momentos, com uma equipe multiprofissional incrível, que fez eu me sentir tranquila e amada a todo instante", concluiu ao G1.
Fonte: G1
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