“A melhor poção mágica para dormir que eu conheço é a melatonina“, disse o Dr. Rubin Naiman, Ph.D., especialista em sono, psicólogo clínico e professor assistente da University of Arizona, nos Estados Unidos. Apesar de as principais associações médicas do sono não recomendarem o medicamento para tratar a insônia, o Dr. Rubin comparou a melatonina à Nix, a deusa da noite na mitologia grega, e mãe de Hipnos, o deus do sono – se referindo à melatonina como sendo a “Nix em um frasco”.
E, de fato, milhões de norte-americanos parecem concordar. Estima-se que, em 2012, 3,1 milhões de norte-americanos tomavam melatonina e 2012, um número que provavelmente disparou, dado que o mercado global de melatonina – avaliado em 700 milhões de dólares em 2018 – deve atingir 2.790 bilhões de dólares até o final de 2025.
Em grande parte do mundo, o medicamento só pode ser obtido mediante prescrição médica, mas no Canadá e nos Estados Unidos é vendido livremente, como um suplemento alimentar.
Ironicamente, embora a maioria das pessoas use a melatonina para dormir, pode ser seu maior segredo sejam os outros benefícios relatados, como anti-inflamatório, antioxidante e oncostático.
A melatonina é uma substância multifacetada, cuja “enorme gama de funções excedeu as expectativas de seus defensores mais fervorosos”, de acordo com o Dr. Russel J. Reiter, Ph.D., da UT Health San Antonio, uma das maiores autoridades em melatonina, e um entusiasta.
O Dr. Russel publicou centenas de artigos sobre melatonina, os mais recentes foram sobre os benefícios ou possíveis usos para o tratamento de câncer, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, doenças intestinais, neurodegenerativas e até envelhecimento.
Então, por que as principais associações médicas do sono hesitam em recomendar a melatonina para a insônia? A American Sleep Association e a National Sleep Foundation mencionam evidências contraditórias sobre a efetividade do medicamento, sugerindo – com cautela – que pode ajudar algumas pessoas. Já a American Academy of Sleep Medicine (AASM) recomenda que os médicos não prescrevam melatonina, ponderando que, no cômputo geral, as evidências sobre a sua efetividade são fracas.
Uma revisão de estudos randomizados, duplo-cegos e controlados com placebo sobre o uso de melatonina para insônia em pacientes sem comorbidades relevantes, “mostrou uma discreta redução no tempo para adormecer, não muito além de 10 minutos, o que, de acordo com os nossos critérios, não é clinicamente significativo”, disse o Dr. Michael J. Sateia, médico e primeiro autor das diretrizes da AASM. A revisão constatou que a melatonina também não mostrou melhora robusta em outros desfechos de sono.
No entanto, a melatonina é aprovada na Europa para tratar transtorno de insônia em idosos, e demonstrou ajudar no tratamento de insônia em crianças com transtorno do espectro autista, adolescentes com depressão, mulheres com transtorno disfórico pré-menstrual, pacientes com hipertensão arterial sistêmica em uso de betabloqueadores e crianças com transtorno do déficit atenção e/ou hiperatividade.
“A recomendação da AASM contra a melatonina não significa que tenha sido provado que o medicamento não é efetivo ou seguro”, destacou o Dr. Michael. “Apenas significa que, de acordo com nossos rigorosos parâmetros, não existem evidências suficientes demonstrando a efetividade desse medicamento. Além disso, as nossas recomendações são baseadas na população adulta em geral; não conseguimos realizar metanálises separadas da população de idosos.”
“Dito isso, certamente existem outros estudos sugerindo que a melatonina possa contribuir para tratar a insônia em pessoas idosas, talvez especialmente aqueles com declínio significativo dos níveis endógenos de melatonina associado ao envelhecimento”, disse ele. “Esses dados, no entanto, também mostram resultados contraditórios.”
E acrescentou: “O uso da melatonina em crianças com problemas de desenvolvimento ou doenças psiquiátricas é uma questão totalmente diferente, que não abordamos de maneira alguma.”
Riscos menores e associações pouco claras
Apesar da cautela das associações médicas, “nossos dados claramente demonstram o papel da melatonina na regulação do ritmo circadiano, essencial para um sono saudável”, disse o Dr. Rubin.
Então, se a melatonina pode ajudar algumas pessoas a dormir, qual é o problema em tentar? Existe alguma evidência de risco?
De modo geral, a melatonina tem um perfil de segurança favorável, com eventos adversos discretos, como fadiga e lentidão, que duram pouco e estão associados ao momento do uso. Embora exista alguma evidência de eventos adversos relacionados com a pressão arterial e a frequência cardíaca em pessoas com doença cardiovascular e uso concomitante de anti-hipertensivos, não está claro se são causados pela melatonina ou por interações medicamentosas.
Como a melatonina tem propriedades de fortalecimento imunológico, há também um debate sobre sua segurança em pacientes com doença autoimune. Embora as discussões recentes tenham, em grande parte, tendido a atestar a segurança do medicamento neste contexto, algumas vozes ainda pedem cautela.
O Dr. Rüdiger Hardeland, Ph.D., da Georg-August-Universitat Göttingen, um zoólogo atualmente aposentado, que estudou a melatonina, é uma dessas pessoas.
“A melatonina pode estimular a liberação de citocinas pró-inflamatórias e outros mediadores”, disse ele, explicando que estudos que ligam os níveis endógenos de melatonina a sintomas de artrite reumatoide convenceram alguns clínicos de que a suplementação com melatonina não é aconselhável em pacientes com artrite reumatoide.
“Para mim, essa descoberta deve ser vista como uma advertência para todas as doenças autoimunes”, alertou.
De fato, a Arthritis Foundation recomenda que pessoas com doença autoimune não tomem melatonina.
Mas isso ainda é altamente controverso. Outros pesquisadores, incluindo o Dr. Russel, acreditam que a melatonina pode realmente aliviar os sintomas da artrite reumatoide e de outras doenças autoimunes.
“A maioria dos estudos relacionados com melatonina e doenças autoimunes mostraram que o uso do medicamento não é um problema”, disse o Dr. Russel.
“Considerando as dezenas de milhares de pessoas que tomam melatonina diariamente, foram poucos os indícios de que seja contraindicada para doenças autoimunes ou qualquer outra.”
Então, por que a preocupação?
Pesquisadores na maioria das áreas da medicina defendem a necessidade de mais estudos sobre os efeitos da suplementação com melatonina, porque ainda pairam muitas dúvidas. Mas é pouco provável que sejam feitos muitos outros estudos.
“Há pouco subsídio para pesquisas mais aprofundadas sobre melatonina, principalmente porque não pode ser patenteada e compete com o lucrativo mercado de hipnóticos”, disse o Dr. Rubin.
Além disso, a maioria dos profissionais de saúde hesita em recomendar suplementos de melatonina por incertezas sobre a qualidade do produto, a dose correta e o horário de uso, disse ele.
“O comprimido padrão de 3 mg contém significativamente mais melatonina do que o que precisamos para dormir. Nos últimos anos, estamos vendo produtos com doses de 5 mg e até de 10 mg. Mais não é melhor, e teoricamente pode prejudicar a produção da melatonina endógena”, disse o Dr. Rubin.
O horário correto de uso também é muito importante, e frequentemente ignorado, acrescentou.
“Visto que uma de suas principais funções é regular o ritmo circadiano, é surpreendente a pouca atenção dada ao horário correto do uso da melatonina. Praticamente não há discussão na literatura sobre a tentativa de replicar a curva de liberação natural observada no cérebro”, disse o Dr. Rubin.
“Os níveis naturais de melatonina são baixos no início da noite, aumentam constantemente durante a noite, atingindo o pico no último terço do sono. Como a melatonina tem uma meia-vida curta (cerca de 30 a 45 minutos), tomar um comprimido de liberação padrão antes de dormir resulta em um pico no início da noite e uma queda pela manhã – exatamente o oposto do padrão natural.”
Ele recomenda o uso de comprimidos de liberação tardia logo antes de dormir ou produtos sublinguais de liberação regular no meio da noite.
Por fim, na América do Norte, onde os suplementos de melatonina não são regulados, a qualidade do produto é uma preocupação importante. O teor de melatonina nos produtos vendidos no Canadá estava fora do padrão em mais de 71% dos produtos testados, variando de – 83% a 478% do descrito na bula, e com uma variação de até 465% entre produtos do mesmo lote.
“Há um punhado de empresas que produzem melatonina ‘de qualidade farmacêutica’ (pura), o que é necessário, e que está disponível para os consumidores”, disse o Dr. Rubin.
Quer seja adorada como a deusa Nix ou a “partícula divina” do corpo, a melatonina tem defensores fervorosos – e adversários desinteressados. Embora o entusiasmo pelo seu potencial seja baseado em um número crescente de pesquisas, as preocupações persistem, principalmente pela necessidade de mais evidências.
Fonte: Medscape
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