Prontuários médicos de bombeiros militares e suas famílias supostamente começaram a vazar entre oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). Sem qualquer tipo de autorização, integrantes do alto escalão da corporação teriam acessado informações sensíveis de pacientes que integram as fileiras da tropa.
Denúncias foram apresentadas ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), à Polícia Civil (PCDF) e ao Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF). A reportagem do Metrópoles teve acesso aos documentos e conversou com praças que vivenciaram tal situação. Os nomes e as patentes serão preservados.
A primeira denúncia veio à tona no início deste ano, quando informações pessoais, sigilosas e restritas ao prontuário de saúde mental de um paciente vazaram em rodas de conversas com participação de oficiais. O militar em tratamento teria sido alvo de pré-julgamentos e escárnio por parte de seus superiores.
A vítima é paciente do Centro de Assistência Bombeiro Militar (CEABM). A unidade oferece tratamento para militares e seus dependentes com transtornos mentais e psiquiátricos. A unidade trata bombeiros e seus dependentes com diversos diagnósticos, como, por exemplo, ansiedade, dependência de drogas ilícitas e álcool.
Para evitar o constrangimento e a exposição dos militares e familiares, o centro está separado da Policlínica Médica do CBMDF. A unidade conta com psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais. Ou seja, o corpo técnico é formado por profissionais de saúde, mas é coordenado por um tenente-coronel.
Alarmado, alguns bombeiros entraram em contato com esse tenente-coronel para descobrir a origem do vazamento, mas não receberam resposta. Para piorar, o grupo foi surpreendido ao saber que os prontuários seriam acessados e visualizados pela chefia não médica da unidade.
Saúde mental em risco
Segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), apenas os profissionais de saúde podem ter acesso ao prontuário médico dos pacientes. As informações são sigilosas e restritas ao médico responsável e ao paciente. O Código de Ética do Psicólogo e o Código de Ética do Assistente Social ainda determinam a reserva e o zelo.
No entanto, apesar do posto, o tenente-coronel é um combatente, não é um profissional de saúde. O CFM, inclusive, recomenda que serviços médicos devem ser coordenados por responsáveis técnicos, preferencialmente da área médica. Diante da exposição, militares apresentaram denúncia à Diretoria de Saúde (Disau) do CBMDF.
“É comum chegarem processos eletrônicos encaminhados ao comando da unidade com dados sensíveis, que deveriam ter seu sigilo clínico resguardado. O acesso a tais informações deveria ser restrito a profissionais respaldados para tal pelas normativas de seus respectivos conselhos de classe, como é o caso dos médicos, psicólogos e assistentes sociais que compõem a equipe técnica. Entretanto, no contexto atual de gestão, dados provenientes de processos SEI (Sistema Eletrônico de Informação) acabam sendo acessados e visualizados pela chefia não médica da unidade”, diz a denúncia.
O vazamento de dados causa receios na tropa. Prontuários médicos podem ser usados como munição em disputas e chantagens por cargos e comando de missões. As informações também podem ser desvirtuadas como ferramentas de perseguição contra subordinados, detalha a denúncia.
HIV
Recentemente, o DF testemunhou outro caso grave de vazamento de dados sigilosos. Prontuários de pacientes diagnosticados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês), em tratamento pela rede pública, vazaram para criminosos.
A origem e a forma do vazamento estão em investigação pela PCDF e pelo MPDFT. Segundo a Secretaria de Saúde do DF, está em andamento a contratação de uma solução de segurança para dispositivos finais e para certificação digital.
O Ministério da Saúde informou que não houve vazamento de dados de sua infraestrutura de tecnologia da informação, a qual possui rígido controle de acesso. De acordo com a pasta, os dados de saúde tratados no Sistema Único de Saúde (SUS) são protegidos, preservados e invioláveis.
CRM
Após receber a denúncia, o CRM-DF instaurou investigação sobre o suposto vazamento e acesso ilegal dos prontuários médicos dos bombeiros militares. Se for constatado vazamento de dados, o responsável técnico poderá sofrer sanções éticas. O caso também será encaminhado pelo Conselho para apuração por outros órgãos competentes. Entretanto, a instituição ressaltou que todas as denuncias são investigadas sob sigilo processual.
Outro lado
Em nota, o CBMDF argumentou que o regimento interno da instituição determina que a função de comandante do Centro de Assistência Bombeiro Militar (CEABM) é destinada a um oficial combatente. No entanto, ressaltou que a responsabilidade é exclusivamente administrativa. Por isso, será instaurada uma investigação interna.
Leia a nota completa:
“Conforme o regimento interno do CBMDF, a função de Comandante do Centro de Assistência Bombeiro Militar (CEABM) é destinada a um oficial combatente. Esses oficiais são formados e aperfeiçoados ao longo de suas carreiras para administrar a corporação em diversas áreas.
Em relação às informações recebidas sobre a questão:
O Centro de Assistência Bombeiro Militar informa que a responsabilidade do comandante do centro é exclusivamente administrativa, não tendo acesso aos prontuários dos pacientes. Esses prontuários são mantidos em uma sala trancada, cujo acesso é restrito apenas aos militares do quadro técnico, como psiquiatras e psicólogos. Além disso, os processos eletrônicos que contêm prontuários e pareceres técnicos são considerados sigilosos e só podem ser acessados mediante credencial apropriada. Portanto, todas as pessoas que têm acesso a esses documentos possuem o devido amparo legal.
Reiteramos que o comando do CBMDF irá averiguar internamente o sigilo das informações para confirmar que essa prática tem sido seguida e garantir que continuará sendo mantida.
O CBMDF está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais e reafirma o compromisso com a segurança e o sigilo das informações de nossos pacientes”.
Fonte: Metrópoles
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