Vera Lúcia Duarte, de 65 anos, viu sua vida mudar após um acidente de trabalho em 2003. O que começou com uma lesão na coluna se transformou em algo mais preocupante: no tempo em que ficou afastada do trabalho, ela foi diagnosticada com fibrosarcoma no fêmur, o começo de uma história que já teve outros 14 laudos de câncer.
Em 2003, Vera, que era nutricionista em um hospital, caiu e, por causa de um problema na coluna, ficou oito meses afastada. Depois de um tempo, ela começou a sentir que sua perna “falhava” e não tinha forças. Na consulta com o ortopedista, descobriu o nódulo no osso. O fibrossarcoma é considerado um tumor raro e agressivo.
Após receber o diagnóstico de câncer, três médicos lhe disseram que ela precisaria amputar a perna. Vera, teimosa, se recusava, pois tinha um filho pequeno e precisava trabalhar.
“Eu disse para a médica que não ia amputar porcaria nenhuma, que tinha que ter outra solução. Falei: ‘Tu vai me ver com muitos e muitos anos. Não é um cancerzinho que vai me matar'”, relembra.
A nutricionista recebeu indicação para se consultar com outra oncologista, que passou uma série de exames. Com os resultados em mãos, a médica tranquilizou Vera e afirmou que seu caso seria tratado com medicação, sem necessidade de amputação.
O tratamento começou com quimioterapia, radioterapia e fisioterapia. O nódulo foi diminuindo: hoje, ela ainda possui 20% dele, mas está “mortinho”, nas palavras da nutricionista. “Fiz fisioterapia, fiquei de cadeira de rodas, usei bengala e, hoje, ando com as minhas duas pernas tranquila, correndo por aí”, brinca Vera.
Metástase em vários órgãos
Nos anos seguintes, o tumor se expandiu. Em 2005, a nutricionista foi diagnosticada com metástase na epitelióide, um tipo de câncer raro nas partes moles. No ano seguinte, a metástase foi para o fígado; em 2008, o câncer apareceu na tireoide; e em 2010, Vera teve que retirar as amígdalas.
Em 2011, a metástase chegou ao ovário e, dois anos depois, nas trompas, que ela precisou retirar. Em 2015, o câncer foi detectado no colo de útero. Em 2018, chegou na pleura, uma membrana fina e transparente que reveste os pulmões e o interior da parede torácica. Em 2020, ela foi diagnosticada com câncer no pulmão.
A doença continuou se espalhando, e em 2021, atingiu a cabeça e o ouvido. Em 2023, Vera teve melanoma (câncer de pele) e no final do ano descobriu que o câncer tinha atingido a vagina — ela precisou passar por uma cirurgia para retirada do tumor e colocar uma prótese. Durante esses 21 anos lutando contra o câncer, a nutricionista nunca parou de tomar a quimioterapia.
Reprodução Instagram amovicriciuma
Detectação precoce pode ser eficaz
De acordo com o oncologista Bernardo Garicochea, diretor de oncogenética da Oncoclínicas e diretor clínico de câncer hereditário da OC Medicina de Precisão, o surgimento das células cancerosas e das metástases são fenômenos ainda muito intrigantes dentro da biologia humana.
“As células funcionam como se fossem uma orquestra, cada uma desempenha sua parte. Quando uma começa a sofrer mutações, a cada nova mudança ela fica independente das outras, até que chega um momento em que nem é mais reconhecível como uma célula que já foi normal. A partir desse momento, ela começa a mudar todo o ambiente em volta para que possa se defender do ataque do sistema imunológico, roubar nutrientes, criar mecanismos de sobrevivência e se multiplicar”, explica.
A prevenção e detecção precoce são as formas mais eficazes de curar o câncer, que depende de tempo para adquirir mais mutações. O médico esclarece que quanto mais se demora para intervir e parar as mudanças, mais resistentes as células ficam e mais difícil é destruí-las.
“Através de exames regulares, as alterações serão vistas em exames de imagem. Se detectadas lesões muito iniciais, a probabilidade dessas células terem ganhado mutação é muito pequena. A taxa de cura desses pacientes é quase 100%”, afirma o oncologista.
Sobre o caso da Vera, Garicochea diz que cada câncer possui tratamentos específicos, dependendo da fase, características do paciente, idade e condições clínicas. Tudo é levado em consideração para decidir qual tratamento será o mais apropriado.
“É uma situação extremamente rara. A gente sabe há muito tempo que uma pessoa com câncer tem mais chances de desenvolver um segundo do que alguém que nunca teve a doença. Se o paciente fez muita quimioterapia, também tem mais risco de ter outros cânceres”, esclarece.
Voluntária na batalha contra o câncer
Hoje, Vera é presidente da Associação Amor a Vida (AMOVI), uma entidade sem fins lucrativos que já existe há 14 anos com o propósito de acolher pessoas que estão enfrentando o câncer.
“Todo dia estou na luta, me dedico para eles ali. Eu nunca pedi para Deus me curar. Pedi para ficar bem para ajudar meus irmãos da entidade, porque sei que não existe cura. Na associação, somos todos voluntários, não recebemos um centavo pra trabalhar”, conta.
De segunda a quinta, a nutricionista acorda às 5h da manhã e vai buscando os pacientes que são acolhidos pela ONG em casa para levá-los ao hospital onde devem receber a medicação.
“Digo que sou um milagre e tudo que faço é em prol deles. Não penso na minha vida, porque sou uma caixinha de surpresas. Já estou com prazo de validade vencido… o que vem pra mim é lucro”, diz.
Vera considera que tudo o que aconteceu foi uma lição de vida. “Eu não tinha tempo para nada: só trabalhava, trabalhava, trabalhava. Ao partir do momento que descobri o primeiro câncer, passei a cuidar mais de mim e, agora, dos outros. Deus me deixou viva para eu fazer esse trabalho, e é algo que amo fazer. Tenho o maior prazer de sair da minha casa, não reclamo de nada”, desabafa.
Fonte: Metrópoles
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