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Mulher de 87 anos de idade com um único parceiro sexual e diagnóstico de aids

Washington, DC — Como muitos médicos teriam feito, ao olhar para esta senhora de 87 anos, os plantonistas de um pronto-socorro no Arizona, nos Estados Unidos, descartaram a necessidade de fazer o anti-HIV.

“O marido foi seu único parceiro sexual”, disse John Sapero, chefe do Arizona Department of Health HIV Prevention Program. Mas o grupo de John tinha acabado de implementar um sistema de testagem compulsória – exceto em caso de recusa (opt-out) – o programa de testagem do HIV no seu pronto-socorro, o que significa que eles eram obrigados a fazer o teste, a menos que ela recusasse.

Ela não recusou.

A paciente não somente tinha anti-HIV positivo, como recebeu diagnóstico de aids – a doença só ocorre depois de uma pessoa viver com HIV sem tratamento durante anos.

Descobriu-se que o marido dela tinha sido atendido em vários prontos-socorros na região três anos antes por diferentes queixas antes de morrer. Provavelmente suas queixas eram relacionadas com a infecção pelo HIV não tratada, supôs John.

“Ninguém jamais olharia para aquela senhora e pensaria em fazer um anti-HIV”, disse John durante a United States Conference on AIDS 2019. “O fato de termos podido fazer o rastreamento para o HIV, independentemente dos fatores de risco, e imediatamente conectá-la aos serviços de saúde para tratamento e acompanhamento, foi importante.”

A sorologia do HIV pode parecer um acréscimo remoto, até mesmo desnecessário, a uma consulta clínica complexa. No entanto, esta mulher ilustra que o anti-HIV é necessário para todos, disse John. Neste caso, “foi o gatilho para os médicos emergencistas ficarem mais favoráveis ao projeto”.

A expansão dos serviços de testagem do HIV será essencial, à medida que os Estados Unidos se mobilizam para acabar com a epidemia, disse John. Os serviços de saúde estão tentando facilitar a obtenção da história sexual para os profissionais de saúde que não trabalham com o HIV e consequentemente integrar o exame nas suas práticas, informaram os especialistas na conferência. Quando isso não é possível, os serviços de saúde estão se esforçando para retirar a sobrecarga dos médicos e oferecer às pessoas fazer o anti-HIV na sua própria casa.

“Você não quer fazer um teste anti-HIV, certo?”

Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomendam que todas as pessoas dos 13 aos 64 anos de idade sejam testadas para o HIV. No entanto, em 2016, apenas 38,9% dos norte-americanos informaram ter realizado o teste (MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2019;68:267-272).

A quantidade de testes foi maior nos 47 condados e em duas cidades – San Juan, em Porto Rico, e Washington, DC – escolhidas pelo programa Ending the HIV Epidemic , com 46,9% de testes feitos de acordo com os dados de 2016/17, mas foi menor nos sete estados rurais do plano, com 35,5% de testes feitos (MMWR Morb Mortal Wkly Rep2019;68:561-567).

E, para as pessoas em alto risco de HIV, que poderiam extrair mais benefícios da realização regular do exame e do acesso à prevenção do HIV com o Truvada®, os dados de 2016/17 mostraram que os índices são ainda mais baixos: 29,2% informaram que foram testados no ano anterior.

Esses dados também mostraram que apenas 26,2% das pessoas disseram ter sido testadas no ano anterior nos sete estados rurais do plano. E apenas 34,3% das pessoas que vivem nos 47 municípios e nas duas cidades tinham sido testadas no ano anterior.

A falta de testes é o resultado, em parte, dos sistemas de saúde não seguirem a lei, disse Stephanie Hubbard, gerente de programa no New York City Department of Health and Mental Hygiene.

O estado de Nova York exige a recusa verbal dos pacientes nos ambulatórios, disse Stephanie ao Medscape. Contudo, disse a gerente de programa, de acordo com relatos informais e relatórios de organizações comunitárias que trabalham com as clínicas, alguns médicos obtêm a recusa dos pacientes perguntando: “Você não quer fazer um teste anti-HIV, certo?”

“É super frustrante”, disse Stephanie. Isso está entre as maiores “rasteiras” que os pacientes recebem.

Quando a lei foi alterada no Arizona, para que o anti-HIV fosse feito a menos que o paciente recuse, 78% fizeram o exame, pelo menos em um pronto-socorro, disse John ao Medscape. Mas, se você perguntar às pessoas para escolher fazer o anti-HIV, a mesma proporção vai recusar o exame.

Acabar com a epidemia de HIV com um teste de cada vez

Quando a iniciativa Ending the HIV Epidemic começar, em 2020, testar as pessoas que talvez não pareçam ter risco de infecção pelo HIV será um dos quatro pilares do programa.

Dados do CDC mostram que 33,6% das transmissões de HIV em 2016 foram de pessoas sem diagnóstico de HIV (MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2019;68:267-272). Por outro lado, não houve transmissão de pessoas que tinham o diagnóstico, estavam fazendo o tratamento eficaz e tinham carga viral indetectável.

“O declínio dos índices de HIV significa que é mais difícil identificar as pessoas que precisam ser testadas”, disse Stephanie. “Temos de ser inovadores na nossa maneira de chegar até as pessoas.”

Para chegar a esse nível de testes de HIV, os sistemas médicos precisarão fazer destes testes “parte integrante das instituições”, acrescentou. Uma maneira de fazer isso é simplificar a obtenção da história sexual pelos médicos, para que eles avaliem se alguém precisa fazer o exame.

Para ajudar profissionais de saúde com esta conversa delicada, Stephanie ajudou a projetar um modelo para profissionais de saúde do atendimento primário pensado para facilitar a comunicação e deixar os profissionais mais confortáveis ao testar seus pacientes para o HIV.

A estrutura oferece uma lista rápida de perguntas sobre a história sexual, a fim de obter as informações que os profissionais de saúde precisam sobre os pacientes em apenas alguns minutos.

Tudo começa com uma simples declaração: “Eu converso com todos os meus pacientes sobre a saúde sexual, porque é uma parte muito importante da saúde global.” Isso permite que o paciente saiba que o profissional de saúde está disponível para responder a quaisquer perguntas ou dúvidas sobre a saúde sexual, explicou Stephanie.

A seguir, o profissional oferece uma forma de incentivar a realização do exame no contexto da possibilidade de recusa, que ajuda todos os profissionais, disse John. O profissional afirma que todos os seus pacientes são testados para o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) e, a seguir, pergunta: “Você tem algum problema com isso?”

Isto é seguido de perguntas abertas, que substituem um rosário de perguntas específicas sobre coisas como o número de parceiros sexuais que alguém teve e a frequência do uso de preservativo. Os profissionais podem perguntar: “Quais seriam as suas maiores dúvidas ou preocupações sobre sua saúde sexual?” e “Hoje em dia a sua vida sexual é parecida ou diferente de como você gostaria que fosse?”

As perguntas de acompanhamento sugeridas – usadas para tirar a ênfase do número exato de parceiros sexuais que uma pessoa tem e, em vez disso, compreender como as pessoas se protegem contra o HIV ou as DST– incluem a seguinte: “O que poderia ajudá-lo(a) a cuidar melhor da sua saúde sexual?” Esta abordagem positiva pode motivar os pacientes a adotarem comportamentos sexuais saudáveis e se comprometerem a cuidar de si mesmos, sugere o quadro.

As informações obtidas com o paciente podem então sugerir quais são os exames necessários, e podem abrir espaço para conversas sobre a prevenção do HIV, a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a contracepção.

Ou você pode simplesmente confiar nas orientações dos CDC, que excluem inteiramente as conversas sobre sexo e podem funcionar melhor nos casos em que as abordagens da saúde sexual são estigmatizadas ou problemáticas, disse John. E, se uma pessoa pedir para fazer o exame, solicite, independentemente de você achar que é necessário ou não, acrescentou John.

“Sexo e sexualidade são temas delicados de abordar, especialmente quando o paciente está procurando atendimento por algo que não tem nenhuma relação com isso”, disse John ao Medscape. “Mesmo que você não esteja perguntando às pessoas qual é o seu risco de HIV ou de IST, você pode afirmar que esta é uma recomendação dos CDC”, e explicar que é o atendimento de praxe.

Conheça a Mystery Box

Outra forma de testar as pessoas que querem ser testadas é retirar inteiramente o peso do ombro dos médicos. No Arizona e na Virgínia, por exemplo, as secretarias de saúde estão enviando kits de autoteste para a casa das pessoas que solicitarem. E está dando certo.

Quando o programa-piloto foi lançado no Arizona, os profissionais se prepararam para lidar com eventuais problemas advindos do fato de uma pessoa enfrentar um diagnóstico de HIV sozinha, disse John.

A caixa do autoteste continha um número de telefone de um plantão de funcionários de saúde voluntários disponíveis 24 horas por dia. E uma van estava pronta para ir a qualquer lugar do Arizona caso alguém quisesse o kit de autoteste, mas estivesse com medo de fazer o teste sozinha.

“A única maneira de rodar neste teste é se você não o fizer.”

Mas nem uma pessoa quis um funcionário da saúde por perto ao fazer o teste. As pessoas preferiram receber a notícia em suas próprias casas, com seus parceiros, parentes ou amigos próximos. Esta acabou sendo “a forma como preferiram fazer”. Para o programa piloto, John comprou 500 kits de autoteste e colocou um anúncio no Grindr, dizendo que o departamento mandaria um kit pelo correio para qualquer residente do estado que o desejasse.

“Pensamos que fossem durar seis meses”, disse John. “Grindr colocou nosso anúncio um dia antes, então no dia que pensávamos que estaríamos lançando, já tinham 60 pedidos.” Sete semanas mais tarde, já tínhamos mandado 477 kits, e fechamos o programa piloto.

“Eu não sei exatamente quanto tempo leva para montar 477 caixas, mas leva muito tempo”, disse John. “Meus dedos nunca mais serão os mesmos. Fiquei com vários cortes de papel e machucados de cortadores de caixas.”

Em 2018, o estado comprou autotestes para um grupo em uma comunidade, batizou o kit de Mystery Box (caixa misteriosa) e lançou um programa em larga escala. Quando os consumidores recebem o kit, encontram uma caixa com mensagens como: “Vamos resolver este mistério” e “a única maneira de rodar neste teste é se você não o fizer”.

Hoje, 1.045 kits já foram enviados para os moradores do Arizona. As seis pessoas que procuraram serviços de saúde do estado para confirmar o resultado positivo do autoteste atualmente estão fazendo acompanhamento médico, disse John.

Os kits estão chegando a grupos que têm sido difíceis de alcançar, como mulheres de 18 a 24 anos de idade e homens de 25 a 36 anos. Além disso, 53% das solicitações foram de pessoas de origem hispânica, 366 pessoas informaram que nunca tinham sido testadas antes e 745 não faziam o teste há pelo menos um ano.

“Dado o que considero ser um esforço relativamente moderado para ajudar as pessoas a fazer o anti-HIV da maneira mais confortável para elas, estamos estabelecendo uma conexão com pessoas com as quais nunca tivemos ligação antes”, disse John. “Deixados com seus próprios dispositivos, as pessoas fazem a coisa certa ao vir fazer exames confirmatórios e obter acompanhamento médico.”

John disse que atualmente já está pensando em permitir que as pessoas recebam um autoteste se não tiverem sido testadas nos três últimos meses, em vez de 13 meses. E ele está considerando permitir que os médicos ofereçam os testes domiciliares.

“Acho que precisamos de algum tipo de marketing para os profissionais dizerem que esta é uma opção para o paciente, mesmo se você não estiver conversando com eles”, disse John. Ou talvez nós possamos fazer “um cartaz dizendo: faça a leitura desse código de barras e receba o seu teste”.

Fonte: Medscape

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