Uma médica do interior de Minas adaptou a sala de casa com oxigênio e bombas de infusão para medicar dois pacientes com doença rara e, com isso, protegê-los do risco de contaminação pelo coronavírus no hospital, onde eles eram atendidos. Talyssom, de 8 anos, e Vanessa, de 15, foram diagnosticados desde os dois anos de vida com mucopolissacaridose, doença hereditária que compromete ossos, articulações, vias respiratórias e sistema cardiovascular.
Eles moram em Berizal e uma vez por semana precisam percorrer cerca de 67 km para fazer a reposição de enzimas no Hospital Santo Antônio, em Taiobeiras. Por conta da pandemia do coronavírus, a pediatra Márcia Novaes decidiu fazer a infusão do medicamento em casa para preservar a saúde dos pacientes. Há cerca de dois meses, ela e o enfermeiro Alex Ferreira dedicam o dia de folga do plantão do hospital para cuidar dos dois na sala de estar da casa.
“Apesar de não ter casos confirmados na cidade, houve uma mudanças no hospital para isolar pacientes suspeitos e achei melhor tirá-los de lá. Eu pensei, eu moro sozinha, minha casa é grande e aí resolvi pedir autorização na unidade para trazê-los. É muito gratificante poder ajudar e até o fim da pandemia, eles vão tomar a medicação aqui. Ajudar o próximo é o que podemos fazer nesse momento tão difícil”, disse a médica.
O enfermeiro Alex explicou que os dois pacientes ficavam em uma sala exclusiva do pronto-socorro, mas o local precisou ser destinado para pacientes com suspeita de Covid-19.
“Com essa mudança de rotina, tivemos que levá-los para enfermaria pediátrica, onde ficam outras crianças internadas. O hospital recebe pessoas de 16 municípios e a ideia de levar pra casa foi para protegê-los. Eles têm a imunidade baixa e se forem contaminados, a possibilidade de se agravar é grande”.
Cuidados em casa
A pediatra Márcia e o enfermeiro Alex cuidam dos dois pacientes em casa — Foto: Arquivo pessoal
Uma vez por semana, Talysson e Vanessa saem de Berizal no primeiro horário do dia, acompanhados das mães, e vão para a casa da pediatra. Eles são levados em um carro da Prefeitura de Berizal e ficam com os profissionais de 7h até as 14h. Lá, eles são recebidos com café da manhã, almoçam e antes de pegar a estrada de volta, tem o lanchinho da tarde.
“Os dois comem na sala enquanto recebem a medicação e as mães almoçam comigo e com o enfermeiro na sala de jantar. Eles amam bolo de cenoura e eu peço a minha empregada para fazer de vez em quando”, conta a médica.
Durante a infusão do medicamento, os dois se divertem na sala da casa; Talyssom gosta de ouvir música e Vanessa prefere filmes de princesa.
“Eles estão muito felizes aqui e não querem voltar para o hospital. Faz sete anos que acompanho os dois e nunca tinha visto a Vanessa sorrir, vi aqui em casa pela primeira vez. O ambiente é acolhedor e eles têm mais privacidade. Na minha sala, tem uma tela grande de TV e eles estão maravilhados com os desenhos e as músicas”.
A pediatra explica que o medicamento é aplicado durante 5h, a menina precisa de cinco frascos por semana e o menino de quatro. O remédio é importado e cada frasco custa R$ 1 mil; o município faz um processo via Estado e recebe o medicamento pelo SUS.
Márcia Novaes é natural de Santo André (SP) e veio para o Norte de Minas há 15 anos quando se casou com o ex-marido, que é da região. Há 13, ela trabalha em Taiobeiras e diz que acolher pacientes em casa se tornou um gesto comum na vida dela.
“Já trago os pacientes há muito tempo aqui em casa, eles vêm almoçar, tomar um suco ou as vezes dormem aqui. Acho importante essa relação, eles têm muita confiança em mim, ligam no meu celular quando precisam e são bem carinhosos”.
Ela relembra que descobriu o amor pela pediatria depois de concluir a faculdade de medicina. “Fui trabalhar em um posto de saúde que atendia muitas crianças e acabei gostando da área. Hoje, eu atendo crianças e adolescentes, e também sou voluntária em um asilo da cidade”.
Amor de pai
Talyssom e Vanessa são considerados como filhos pelo enfermeiro — Foto: Arquivo pessoal
“Os filhos de Alex chegaram”. Era com essa frase que os colegas de trabalho do enfermeiro sempre anunciavam a chegada de Talyssom e Vanessa no hospital, quando eles recebiam o medicamento na unidade. E realmente, é assim que ele enxerga os dois pacientes: como dois filhos.
Desde que eles começaram a fazer o tratamento no Hospital Santo Antônio, em Taiobeiras, Alex é o responsável pela infusão do medicamento e criou um laço familiar. O enfermeiro tem duas filhas, de 4 e 10 anos, e conta que compartilha esse amor que sente pelos pacientes com elas.
“É um prazer cuidar deles e são tratados como meus filhos. Eu sempre falo deles na minha casa e o Talyssom já passeou lá, e conheceu minha família. Nas datas comemorativas, como Natal e Páscoa, os dois também estão incluídos na lista de presentes”.
O enfermeiro conta que fez treinamento, participou de congressos e continua se atualizando para cuidar dos pacientes.
“Foi por acaso que surgiu a oportunidade de trabalhar com essas crianças. Eles têm uma deficiência de enzimas, uma doença que não tem cura, e é gratificante cuidar e poder amenizar um pouco do sofrimento deles”.
O que é a mucopolissacaridose
A mucopolissacaridose (MPS) é uma doença hereditária que envolve a falta ou quantidades insuficientes de determinadas enzimas essenciais para o funcionamento do organismo.
De acordo com a médica Márcia Novaes, existem tipos diferentes da doença e os dois pacientes foram diagnosticados com mucopolissacaridose tipo VI. O tratamento com a infusão de enzimas é importante para controlar o avanço.
“A mucopolissacaridose tipo VI pode se desenvolver em qualquer idade e afetar as vias respiratórias, coração, audição, olhos, articulação. Uma das principais manifestações clínicas é a baixa estatura e a doença não afeta a função cognitiva”.
Fonte: G1
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