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Médicos que atendem imigrantes estão “gritando no vazio”

A Dra. Julie Serra, médica, estava frenética. Seu paciente de 18 anos de idade estava com cefaleia pulsátil há dias e tinha começado a vomitar. Ele precisava de uma ressonância magnética (RM). Mas o jovem, recém-saído da prisão depois de chegar nos Estados Unidos atravessando a fronteira do México, estava com uma tornozeleira eletrônica. Dra. Julie não sabia o que fazer.

“O pobre garoto estava com tanta dor”, disse a Dra. Julie, médica generalista do atendimento primário na University of California, San Diego. Como seu paciente piorou, ela passou a maior parte da noite e do dia seguinte, ligando para todas as delegacias de proteção das fronteiras que conseguiu para tentar tirar a tornozeleira, mas não obteve resposta. Finalmente, ela fez algo que nunca aprendeu a fazer na faculdade: cortou os fios do monitor com um bisturi. “Saiam faíscas de todos os fios”, lembra ela.

A Dra. Julie, que fala fluentemente espanhol, conversou longamente com o jovem para obter sua anamnese e acredita que ele não tenha sido tratado de modo adequado para quadro de otite média enquanto estava detido. Após ser solto, seus familiares preocupados o levaram ao pronto-socorro. A ressonância magnética confirmou que ele tinha feito uma mastoidite e tinha indicação de cirurgia imediata. Embora ele já esteja se recuperando, e siga com o processo de pedido de asilo, a Dra. Julie disse que o jovem pode nunca recuperar inteiramente a audição no lado comprometido.

A médica é só uma dentre os milhares de profissionais que estão respondendo a questões urgentes de saúde na fronteira sul dos Estados Unidos, tratando pacientes em clínicas improvisadas em banheiros e estacionamentos, lutando para conseguir exames diagnósticos para pacientes que não têm planos de saúde, e testemunhando em tribunais para comprovar as cicatrizes das torturas sofridas pelos imigrantes que buscam asilo. Muitos médicos, mesmo os que vivem e trabalham longe da fronteira sul do país, estão repensando como e por que fazem medicina. Estão dispostos a compartilhar suas histórias e chamar a atenção para uma situação que eles descrevem como opressora.

“Eu sinto que estou gritando no vazio”, disse a Dra. Kim Mukerjee, médica pediatra que trata de famílias de imigrantes em Nova Orleans. “É desolador. É frustrante. É muito cansativo.”

Respondendo ao “chamado”

A Dra. Claudia Mercado, médica, administra uma pequena clínica de medicina de família em Laredo, nos EUA. No início deste ano, ela atendia imigrantes recém-chegados, algumas vezes centenas por dia, despejados no ponto de ônibus local. Quando soube que um de seus pacientes regulares gerenciava um abrigo para imigrantes em processo de transição, mas não podia oferecer nenhuma assistência médica, ela foi imediatamente visitar o lugar.

“Eu só tinha meu estetoscópio e uma mesa de plástico”, lembrou a Dra. Claudia. “Atendi 20 pessoas naquela noite”.

A Dra. Claudia voltou para o ambulatório após o trabalho diário, atendendo de 20 a 30 pacientes por noite e tratando tudo o que se possa imaginar, como escabiosesarampo, pediculose e diarreia. Mais difícil era o que ela não podia tratar: o terror.

“Assim que cheguei, o meu coração parou. Eu poderia literalmente sentir o cheiro do medo deles”, disse a médica. “Eu vi crianças sem sapatos, pessoas sem tomar banho, tantos traumas”.

A Dra. Claudia, que imigrou para os Estados Unidos aos 17 anos de idade e fez faculdade de medicina em Chicago, abraça seus pacientes imigrantes e fala baixinho com eles em espanhol.

“Eu quero que eles saibam que são bem-vindos aqui”, disse a médica. “Quero que eles saibam que os vemos como seres humanos”.

Nos seus primeiros dias no abrigo, Dra. Claudia comprou uma pequena farmácia – paracetamol, ibuprofeno, polietileno glicol, loperamida – tudo pago do próprio bolso. Comprou também uma balança e um esfigmomanômetro. Ela não tem recursos para pagar por exames de imagem ou laboratoriais.

A médica estima ter tratado de milhares de imigrantes desde que a crise começou, e nunca se sentiu tão exausta – e tão recompensada – pelo seu trabalho. “Minha alma”, disse a médica, “está feliz”.

Apenas duas horas para o sudoeste e a menos de 1,6 km do Rio Grande, o Starr County Memorial Hospital muitas vezes é a primeira parada e, por vezes, a última, para muitos imigrantes tentando nadar do México para os Estados Unidos.

O Dr. Javier Margo Jr, médico, tratou de muitos imigrantes sofrendo as consequências do quase-afogamento e ouviu muitas outras histórias de quem desapareceu na correnteza rápida e imprevisível do Rio Grande.

“O rio é um lugar traiçoeiro”, diz ele.

Os agentes da fronteira transportam os imigrantes para o pronto-socorro sofrendo de desidratação, doenças relacionadas com o calor e trauma. “Eles estão cansados, famintos, precisam de ajuda”, disse o médico. “Eles estão chegando em um lugar onde não há assistência médica em centenas de quilômetros”.

Ele também viu imigrantes doentes por quase todos os tipos de infecção: sarampo, varicela, E. coli ou estafilococos. Eles chegam em ondas inesperadas e, às vezes, lotam o pronto-socorro de 10 leitos.

“Tem o seu preço. Somos um dos municípios mais pobres do país”, disse Dr. Javier. “Nós realmente não temos uma rede de segurança na saúde”.

Recentemente, ele fez o parto de várias gestantes que tinham feito poucas consultas, ou nenhuma, durante o pré-natal.

“A falta de atendimento pré-natal é enorme”, disse Dr. Javier, que foi eleito presidente da Texas Academy of Family Physicians .

Centros de detenção devem ser inspecionados

Foram as mortes por influenza de três crianças imigrantes detidas que revoltaram a Dra. Sara (Sally) Goza, médica pediatra em Fayetteville, EUA. Ela decidiu que queria ver ao vivo e a cores como as crianças estavam sendo tratadas na fronteira. Levou seis meses, mas a médica finalmente conseguiu a autorização em maio para visitar “Ursula”, o armazém adaptado em McAllen, no Texas, que é o maior centro de detenção da US Customs and Border Protection (CBP).

Ao entrar, Dra. Sara foi avassalada pelo cheiro de suor, urina e fezes. O pior, disse, era o silêncio, mesmo nas salas abarrotadas de crianças e adolescentes. “Nenhuma criança dizia uma palavra. Os seus rostos não tinham expressão”, disse a Dra. Sara. O único som era a agitação dos cobertores de emergência que as crianças espremiam em busca de calor.O que estamos fazendo com estas crianças”, disse ela, “irá se ramificar durante muitos anos.

A médica veterana continua assombrada pelo que viu: irmãs de três e cinco anos de idade segurando as mãos com tanta força que seus dedos estavam brancos; um menino apavorado porque tinha perdido um pedaço de papel com o número de telefone da tia, que seu pai tinha dito para não perder quando estivessem separados.

“Ele estava arrasado”, disse a Dra. Sara. “Ele não sabia se algum dia iria rever o pai. Ele não sabia o número de telefone da tia”.

As crianças contaram para Dra. Sara que estavam recebendo comida ainda congelada. Estavam com frio. Dormiam em quartos onde as luzes nunca eram desligadas. Outros médicos que visitaram as instalações informaram ter visto mães vestindo blusas manchadas de leite materno e vômitos; crianças com cabelos emaranhados e imundos; superlotação causando a propagação de doenças.

A Dra. Julia Graves, médica dermatologista na Califórnia que foi para o Texas neste verão como voluntária para ajudar a atender os imigrantes, disse que a recusa de administrar a vacina contra a influenza para as pessoas detidas nessas condições é uma “estupidez cruel”. Médicos distantes da fronteira do sul, em Boston e Chicago, trataram crianças que estavam tão doentes ao chegar ao seu destino após a detenção que precisaram de atendimento de emergência. (Funcionários do CBP dizem que a situação é de crise humanitária e disseram estar prestando a melhor assistência médica possível com os seus limitados recursos.)

A Dra. Sara, que irá assumir a presidência da American Academy of Pediatrics (AAP) em 1o de janeiro, tem planos de usar seu cargo para levantar a voz contra a detenção das crianças e a separação das famílias. Agentes da fronteira, disse a médica, não estão capacitados para cuidar de crianças e não devem ser solicitados a fazê-lo.

A médica está profundamente preocupada com o que poderia se tornar uma epidemia de resposta tóxica ao estresse, com a reação das dezenas de milhares de crianças detidas ao trauma sofrido.

“O que estamos fazendo com estas crianças”, disse ela, “irá se ramificar por muitos anos”.

Em novembro, um juiz federal determinou que o governo dos EUA deve prover atendimento de saúde mental para os milhares de imigrantes que sofreram traumas psicológicos resultantes da prática de administração de Donald Trump de separar os pais dos filhos ao entrar no país.

Espere no México

Alojamento abriga imigrantes à espera de audiência; Mexicali, México

A pediatra Dra. Marsha Griffin, costumava ver centenas de imigrantes por dia no centro de descanso local em Brownsville. Ela viu crianças tão traumatizadas pela viagem e pela detenção que estavam em colapso, se cortando, e até mesmo pensando em suicídio.

Agora que as crianças não chegam mais, Dra. Marsha está ainda mais preocupada.

Muitos imigrantes estão no México dormindo debaixo de pontes ou em qualquer lugar em que possam encontrar abrigo, com pouca comida, saneamento e atendimento de saúde, disse a médica.

“Eles não têm onde tomar banho. Estão em tendas ou debaixo de lonas. E metade dessas pessoas são crianças”, disse a Dra. Marsha.

Por pior que as coisas estivessem nos centros de detenção, as condições parecem ser ainda mais terríveis no México, disse. “Há milhares de pessoas reunidas na fronteira. Elas estão sendo sequestradas, extorquidas, violentadas”, disse Dra. Marsha. “Algumas dessas famílias gastaram as suas economias de toda a vida para chegar à fronteira em troca de nada”.

A atual calmaria do número de imigrantes que tentam atravessar a fronteira dos EUA pode ser apenas temporária; dados recentes sugerem que os números tendem a aumentar novamente. Mudanças na política de imigração resultaram em imigrantes fazendo viagens cada vez mais perigosas para atravessar a fronteira – o chamado “efeito de funil” – e, a seguir, se dispersar rapidamente por toda a nação. Médicos de todo o país estão começando a ver que “a fronteira” tem um longo alcance.

A fronteira está em toda parte

O Dr. Ben McVane, médico emergencista no Elmhurst Hospital em Nova Iorque, está a cerca de 2.000 km da fronteira entre o Texas e o México. Por isso, quando uma mulher chegou com extensa abrasão nos pés, a travessia da fronteira não foi a primeira coisa que veio à sua mente. A paciente de 24 anos falando espanhol relutava em dar mais detalhes.

“Seus pés estavam desfigurados e inflamados, bem além da história que ela estava contando”, disse Dr. Ben.Ouvir uma menina de oito anos de idade contar como é ser separada de seu pai, que foi levado embora na frente dela, é traumatizante.

Dada a extensão da lesão, o Dr. Ben solicitou uma série de exames laboratoriais que revelaram um nível de creatinoquinase significativamente aumentado. A paciente tinha rabdomiólise e estava desidratada.

Só mais tarde ela contou para a equipe do hospital ter cruzado a fronteira recentemente. Sua viagem de sete dias foi feita caminhando pelo deserto e, em seguida, indo para o norte durante vários dias, quase sem água. A combinação de calor extremo, esforço físico prolongado e hipovolemia pode levar à rabdomiólise por esforço e lesão renal aguda.

Essas lesões, conhecidas como “nefropatia dos atravessadores de fronteiras”, não são novidade para os médicos do sul do país. Mas agora estão sendo vistas até em Nova York.

Muitas regiões tradicionalmente não consideradas como principais destinos dos imigrantes começam agora a ser o lar de novas populações, às vezes em grande número. Nova Orleans é um exemplo, onde menores desacompanhados começaram a chegar para se juntar a familiares adultos que vieram ajudar a reconstruir a cidade após o furacão Katrina. O que nos últimos anos foram algumas crianças entrando na cidade já se transformou em centenas de crianças por ano.

A equipe trabalhando com a pediatra Dra. Kim Mukerjee atende os menores desacompanhados que chegam em Nova Orleans, alguns dos quais nunca tiveram atendimento médico.

“As coisas que vemos são surpreendentes. Aos 2 ou aos 12 anos de idade, pode ser a primeira vez que viram um pediatra na vida”, disse a Dra. Kim. “Estas crianças estão vindo até nós mais doentes do que eu já vi na vida, com mais traumas do que eu já tenha visto antes”.

O mundo da Dra. Kim é um mundo de três horas de tentativas e lutas para conseguir que crianças com epilepsia ou outros problemas neurológicos, e sem planos de saúde, façam ressonância magnética. Seus dias de consulta estão repletos de imigrantes recém-chegados; para agendar um atendimento é preciso esperar meses.

“Já estávamos sob pressão para prover atendimento em uma região com incríveis disparidades na saúde, imagina lidar com uma nova crise humanitária”, disse a Dra. Kim. O tamanho da tarefa pode ser impossível. “Somos uma equipe muito pequena tentando assumir um problema enorme”, disse.

“Alguém disse que estávamos tentando enfrentar um maremoto com um balde”.

Este trabalho tem um preço psicológico alto para os profissionais de saúde. “Ouvir uma menina de oito anos de idade contar como é ser separada do pai, que foi levado embora na frente dela e deportado (…) é traumatizante”, disse a Dra. Kim. Sua equipe tem de lembrar proativamente de dedicar algum tempo para si, a fim de poder atender às próprias necessidades e evitar a estafa.

Imersa no problema até o pescoço, a Dra. Kim se surpreende ao constatar que muitos de seus colegas médicos desconhecem a grande população de menores desacompanhados que vive entre eles. Recentemente a médica foi viajar para o estado de Louisiana, fazendo palestras sobre seu trabalho.

“As pessoas vêm até mim depois de uma palestra e dizem que estão atordoadas,” disse Dra. Kim. “Eles não faziam ideia do que estava acontecendo”.

Problema recai sobre os médicos

Quando não está de plantão no pronto-socorro, a Dra. Theresa H. Cheng, médica e advogada, está em Tijuana para ajudar a prestar atendimento aos imigrantes reunidos lá, visitando centros de detenção, ou fazendo trabalho voluntário na clínica do asilo na University of California, Los Angeles.

“Enquanto tudo isso está acontecendo”, disse a Dra. Theresa, “eu não posso simplesmente não fazer nada”.

A carreira iniciante da jovem médica já está cheia de casos perturbadores: mulheres imigrantes violentadas por gangues e homens que foram flagrantemente torturados. Recentemente, um paramédico ligou para ela no pronto-socorro da UCLA de um canteiro de obras por causa de um trabalhador que tinha sido esmagado por uma máquina pesada e não conseguia mais andar, mas se recusava a entrar na ambulância.

“Eu falei com o paciente pelo rádio. Ele disse que estava com muito medo de entrar porque não tinha documentos”, disse ela.

A Dra. Theresa, que além de médica é advogada, foi estimulada pela crise na fronteira a renovar sua licença jurídica para poder prestar uma assistência melhor aos requerentes de asilo.

Algumas das pessoas que ela está ajudando fugiram de seus países literalmente sem nada, nem comprovação do porquê de sua fuga. Muitas vezes temem compartilhar suas experiências de abuso nas mãos de gangues nas salas de audiências, enquanto tentam justificar o seu pedido de asilo nos Estados Unidos.

“Usamos os seus corpos e interpretamos as cicatrizes e as queimaduras como elementos de provas”, explicou a Dra. Theresa, alegando que os médicos precisam de mais treinamento e ferramentas para ajudar melhor esta população vulnerável.

A Dra. Bryn Esplin, advogada especialista em bioética clínica no University of North Texas Health Science Center, em Fort Worth, está trabalhando para dar aos estudantes de medicina algumas dessas ferramentas. A Dra. Bryn, que muitas vezes trabalha diretamente com os detentos e os requerentes de asilo com dificuldade de acesso ao tratamento médico ou de entrar em contato com seus familiares durante sua hospitalização, disse que o sagrado dever dos médicos é prejudicado quando eles são pressionados a dar alta precoce para pacientes doentes em detenção ou examinar imigrantes algemados, ou na presença de policiais.

É uma questão espinhosa da lealdade dupla, disse a Dra. Bryn, na qual os médicos podem entrar em conflito entre prestar o melhor atendimento e assegurar a privacidade do paciente e a conformidade com as diretrizes de aplicação da lei.

“Não se trata de problemas de ativismo ou retórica política”, disse Dra. Bryn. “Trata-se da segurança do paciente e do profissionalismo da comunidade médica”. A declaração de responsabilidade profissional da American Medical Association, observa ela, contém essa premissa: “Nosso paciente é a humanidade”.

Muitos médicos enfrentam dificuldades, disse a Dr. Bryn, porque os empregadores não estabelecem políticas de como proteger os direitos dos imigrantes ou usar regras criadas para o tratamento de prisioneiros.

A Dra. Altaf Saadi, médica, concorda que os hospitais e as unidades de saúde precisam de um conjunto de ferramentas inteiramente novo e com mais nuances para lidar com os pacientes imigrantes. A Dra. Altaf atingiu um ponto nevrálgico com um artigo que coautorou sobre o receio dos pacientes sem documentos que os impede de buscar assistência médica.

A Dra. Altaf, médica neurologista no Massachusetts General Hospital, que emigrou do Irã aos 10 anos de idade, afirmou que a atual crise agravou um problema crônico.

“Uma das coisas que muitas vezes não é notada é que viver com medo não é novidade para os imigrantes”, disse ela. “Como médicos, a nossa prioridade é sempre ajudar os pacientes. E ajudar os pacientes significa não contribuir com os temores deles”.

Esse medo, potencializado recentemente, é palpável em muitos hospitais, disse o Dr. Robert Rodriguez, médico no Zuckerberg San Francisco General Hospital que publicou um estudo constatando que os eventos muito noticiados relativos à imigração impediam muitos imigrantes de procurar atendimento em três prontos-socorros da Califórnia, instituições que aceitam todos os pacientes, independentemente de cidadania ou de recursos financeiros.

“Os prontos-socorros são a rede de segurança. Se um grupo de pessoas de repente tiver medo de vir, não há mais para onde ir”, disse o Dr. Robert. “E se houver esse nível de medo em San Francisco, Oakland e LA, todas reconhecidamente cidades-santuário, podemos crer que o medo em outros lugares é provavelmente muito maior”.

Não são apenas os pacientes que estão com medo. O grupo médico de defesa dos direitos humanos Physicians for Human Rights publicou recentemente um relatório chamado “Not in My Exam Room“, detalhando os inúmeros problemas que os médicos têm enfrentado ao tentar atender os pacientes imigrantes, como retaliação dos empregadores e de colegas médicos. Kathryn Hampton, uma dentre os autores do relatório, disse “existem tão poucas proteções para os profissionais de saúde que se manifestam. Você vê que muitas das nossas citações são anônimas”.

Médicos se posicionam e falam

Organizações médicas também estão falando e promovendo políticas que incorporam as suas preocupações. As sociedades AAP, American Academy of Family Physicians, American College of Physicians, American College of Obstetricians and Gynecologists, há muito protestam contra as condições dos imigrantes. O grupo divulgou um contundente pronunciamento conjunto em agosto.

Alguns dos posicionamentos mais fortes vieram da American Medical Association , que tem apelado reiteradamente ao Departamento de Segurança Interna, ao CBP, ao Departamento de Justiça e ao Congresso norte-americanos para melhorar essas condições.

“Estamos profundamente comprometidos com a saúde e a segurança de todas as pessoas, independentemente do seu status de imigração”, disse a Dra. Patrice Harris, médica, presidente da associação. Como psiquiatra infantil que há muito vem trabalhando com crianças no sistema de adoção de Atlanta, a Dra. Patrice está especialmente preocupada com a separação das crianças imigrantes de suas famílias.

“Vamos continuar a elevar a voz e falar enquanto existirem condições desumanas”, disse a médica.

Enquanto isso, muitos médicos continuam a se voluntariar para ajudar a preencher a lacuna de atendimento. A resposta dos colegas médicos, disse Dra. Patrice, tem sido profundamente inspiradora. “Isso não me surpreende”, disse a médica. “Os médicos não fogem dos problemas. Nós corremos para eles”.

Alguns médicos que têm se posicionado são locais, acrescentando o trabalho voluntário a agendas já sobrecarregadas. Outros são estimulados pelos princípios das sociedades médicas, como aquele que veio do Texas Medical Association para pedir ajuda em El Paso. Esta primavera, o New Mexico Department of Public Health fez um apelo urgente pedindo ajuda médica após a cidade de Las Cruces ter começado a receber imigrantes porque El Paso não os comportava mais. Os médicos que trabalham perto da fronteira dizem que os voluntários são agora urgentemente necessários no México.

O voluntariado traz o seu próprio conjunto de problemas, disse a Dra. Jessica Merlin, PhD, médica especialista em tratamento paliativo em Pittsburgh, que trabalhou em Botsuana e no Vietnã. Para ajudar em uma clínica voluntária em Laredo, ela precisou obter uma licença de trabalho no Texas e determinar se seu seguro profissional cobriria esse trabalho.

“É muito difícil descobrir essas coisas”, disse. “Eu odeio ter de me preocupar com possíveis processos quando as pessoas precisam de ajuda, mas isso é uma realidade”.

Parte da ajuda tão necessária está vindo dos aposentados. O Dr. Jaime Estrada, médico aposentado há alguns anos é fundador do Texas Doctors for Social Responsibility , um grupo que trabalha em uma série de questões de desigualdade na saúde e, agora, também na crise das fronteiras.

Médicos como Dr. Jaime, que passaram toda a carreira trabalhando perto da fronteira, dizem que os atuais problemas estão onerando uma parte do país que já está profundamente empobrecida e carente em termos de recursos médicos.

“Tenho pacientes que têm tanto medo de vir, que me telefonam em vez de vir”, disse o Dr. Rodolfo Urby, médico de família em San Antonio e atual presidente do Texas Doctors for Social Responsibility.

“Eu faço o que posso, mas é simplesmente demais”.

A crise na fronteira é “uma grande bagunça enlouquecida”, disse Dr. Rodolfo. Agravou muitos problemas existentes. Mas ele vê um lado bom. “Antes, o acesso ao atendimento médico na fronteira sempre foi um problema silenciado”, disse Dr. Rodolfo. “Agora as pessoas estão cientes da existência dele”.

Nenhum dos médicos que trabalha ou se voluntaria na fronteira espera que a imigração para os Estados Unidos vá parar. E muitos concordam que prover o melhor atendimento possível, independentemente do estatuto de cidadania do paciente, é uma ética profundamente incorporada ao juramento médico. Assim, enquanto novos imigrantes precisarem de atendimento médico, muitos médicos dizem que continuarão a estar na linha da frente para prestar o atendimento necessário.

“Não é o juramento de Hipócrates”, disse a Dra. Marsha, a pediatra de Brownsville. “É o juramento humano”.

Usha Lee McFarling é jornalista científica norte-americana que escreveu para os jornais Los Angeles Times, Boston Globe, STAT News e Knight Ridder Washington Bureau. Em 2007 ela ganhou o Prêmio Pulitzer de Reportagens Explicativas.

Fonte: Medscape

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