SÃO PAULO — A pandemia tornou a saúde o negócio da vez e colocou no radar dos investidores empresas que estão criando novas tecnologias, serviços e produtos nesse setor. As start-ups voltadas para a saúde, as chamadas de healthtechs, receberam, entre janeiro e março deste ano, aportes que totalizaram US$ 91,7 milhões, o equivalente a pouco mais de meio bilhão de reais, segundo levantamento da Distrito, uma plataforma de inovação.
A cifra equivale a 85% de tudo o que foi investido no segmento em todo o ano passado (US$ 106,3 milhões) e é a maior da série histórica, iniciada em 2011.
— Para este ano, a expectativa é que os investimentos sejam, no mínimo, quatro vezes maiores que em 2020, podendo chegar a US$ 400 milhões — afirma Gustavo Araujo, presidente da Distrito.
Assim como as fintechs (start-ups financeiras) caíram nas graças dos investidores ao ampliar a inclusão bancária, as healthtechs prometem ajudar boa parte da população a ter acesso a serviços privados de saúde, diz Araujo.
Já existem 697 healthtechs no país, segundo a Distrito. Entre elas há gestoras que oferecem acompanhamento constante da saúde de pacientes, plataformas de telemedicina, empresas de software que ajudam médicos a digitalizar o atendimento no consultório e fabricantes de equipamentos e acessórios inovadores.
— As tendências e novidades que já vinham acontecendo no setor de saúde foram aceleradas com a pandemia. E muitas oportunidades de negócios surgiram — diz Luiz Henrique Noronha, do DNA Capital, um dos maiores fundos de venture capital (capital de risco) da América Latina, que tem foco em healthtechs e recursos aplicados em Brasil, EUA, Inglaterra e China.
Toda essa agitação no mundo das start-ups de saúde se deve a dois motivos, enumera Noronha. Primeiro, a mudança de hábitos forçada pela pandemia. Com o isolamento social, muita gente recorreu ao atendimento remoto para consultas e tratamentos.
O segundo fator foi o fato de essas novas necessidades terem acelerado mudanças na regulação do setor. Em 2020, o Ministério da Saúde liberou a telemedicina para consultas, diagnóstico e prescrição de medicamentos, por exemplo.
O fundo DNA acaba de concluir uma rodada de investimentos de R$ 100 milhões na Beep, um start-up que faz vacinação e exames laboratoriais em domicílio. Ele observa que o setor de saúde é mais complexo para investir, com ciclos mais longos — de cinco a dez anos — tempo que pode levar a aprovação de novos medicamentos ou tecnologias pelas agências reguladoras. Portanto, os riscos são grandes.
O setor atrai novos empreendedores, inclusive de outras áreas: André Florence e Matheus Moraes (ex-99) e Guilherme Azevedo (ex-Dr.Consulta) fundaram em agosto de 2020 a Alice, uma gestora de saúde que já recebeu US$ 48 milhões, cerca de R$ 260 milhões, em investimentos, sendo o mais recente em fevereiro.
Com 1,5 mil clientes, a Alice oferece acompanhamento constante da saúde das pessoas, com médicos, nutricionistas e preparador físico, criando um vínculo de longo prazo entre a equipe e o paciente.
O atendimento é digital, através do aplicativo, mas, para casos de exames, foi criada a Casa Alice, onde o atendimento é físico. A Alice também tem convênios com hospitais como Albert Einstein, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
— Tenho experiência com empresas de tecnologia, e a tese de montar uma start-up de saúde “caiu de madura”. Temos um problema grande nessa área no país que não estava sendo atacado — diz André Florence.
Com um modelo semelhante, a Cuidas oferece atendimento primário de saúde para funcionários de empresas, mesmo para as que têm plano de saúde. Segundo João Henrique Vogel, um dos fundadores da start-up, a ideia é mudar hábitos que afetam negativamente a saúde desses trabalhadores, planejando o atendimento no longo prazo.
O serviço é presencial, mas também usa telemedicina nesse período de isolamento. No ano passado, recebeu a segunda rodada de investimentos de R$ 18 milhões vindos de fundos, entre eles o Península, do empresário Abílio Diniz, além de investimentos-anjo de Jorge Paulo Lemann e de Roberto Sallouti, presidente do banco BTG Pactual.
— Com esse tipo de atendimento podemos desenhar uma ação de saúde para a empresa. No ano passado, nosso volume de atendimentos cresceu 130%, sendo mais da metade de saúde mental — disse Vogel.
Há uma corrida de médicos pela digitalização do atendimento e da gestão de consultórios e clínicas. De olho nesse movimento, a Afya Educacional, maior grupo de educação médica do Brasil, com ações negociadas na Nasdaq, comprou em março a Medicinae Solutions por R$ 5,6 milhões.
A Medicinae permite aos profissionais de saúde “analógicos” terem controle do fluxo de caixa do consultório e do capital de giro. Também antecipa recebíveis de planos de saúde ou pagamentos feitos com cartão de crédito aos médicos.
— Com mais esta aquisição acompanhamos todo o ciclo do médico, desde a formação até sua vida profissional — diz Julio de Angeli, vice-presidente de inovação e serviços digitais da Afya.
Na semana passada, a Afya recebeu um investimento no grupo de R$ 822 milhões do SoftBank Latin America Fund, que passa a ter 8,4% das ações da companhia. Com esse aporte, a Afya pretende investir em novas aquisições, além de produtos e tecnologia.
Desde julho passado, foram seis aquisições de start-ups de saúde feitas pela Afya, num investimento total de R$ 339 milhões. Com isso, a empresa oferece ferramentas digitais para cerca de 200 mil profissionais e estudantes do país.
Para substituir o velho gesso em fraturas ou lesões, a Fix It despontou ao desenvolver uma órtese a partir de um plástico biodegradável que imobiliza membros do corpo fraturados ou com lesões.
A empresa acada de receber mais R$ 1 milhão em investimentos do fundo destinado a start-ups de saúde do hospital Albert Einstein e da Unimed do Rio Grande do Sul. Um software tira as medidas do paciente, enquanto uma impressora 3D cria as peças coloridas. Em 2020, o número de licenças comercializadas subiu de nove para 70.
Fonte: O Globo
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