Outubro, para mim, na adolescência significava jogos de futebol, vestidos para a formatura – e casas assombradas. Meus amigos organizavam passeios em grupo para o parque de diversões local, onde galpões se transformavam em corredores de horror, e homens mascarados nos assustavam com motosserras enquanto aguardávamos na fila, antecipando os sustos que viriam lá dentro.
Não sou a única que adora um bom susto. A empresa de atrações de Halloween America Haunts estima que os americanos gastam mais de US$ 500 milhões anualmente (R$ 2,8 bilhões na cotação atual) em entradas para casas assombradas, apenas pelo privilégio de serem assustados. E muitos fãs de terror não limitam seu entretenimento a essa época do ano, devorando filmes, séries e livros com a temática o ano todo.
Para algumas pessoas, essa fascinação pelo terror pode parecer insensível. Tiroteios em escolas, abuso infantil, guerra – a lista de horrores reais é interminável. Por que buscar o medo fabricado como entretenimento quando o mundo oferece terror real em tamanha quantidade?
Como psicóloga do desenvolvimento que escreve suspenses sombrios nas horas vagas, acho fascinante a interseção entre psicologia e medo. Para explicar o que impulsiona essa fascinação, aponto a teoria de que as emoções evoluíram como uma experiência universal entre os humanos, pois nos ajudam a sobreviver. Criar o medo em vidas que, de outra forma, são seguras pode ser agradável – e é uma maneira de as pessoas praticarem e se prepararem para perigos reais.
O medo pode ser prazeroso
Experiências de medo controlado – onde você pode desligar a TV, fechar o livro ou sair da casa assombrada quando quiser – oferecem a sensação física provocada pelo medo, sem riscos reais.
Quando você se sente ameaçado, a adrenalina aumenta em seu corpo, e a resposta de luta ou fuga é ativada. Sua frequência cardíaca acelera, você respira mais fundo e rápido, e a pressão arterial aumenta. Seu corpo está se preparando para se defender do perigo ou escapar rapidamente.
Essa reação física é crucial ao enfrentar uma ameaça real. Ao experimentar o medo controlado – como sustos em uma série de zumbis – você pode aproveitar essa sensação de energia, semelhante à euforia de um corredor após uma corrida, sem nenhum risco. E, depois que a ameaça passa, seu corpo libera o neurotransmissor dopamina, que traz sensações de prazer e alívio.
Em um estudo, pesquisadores descobriram que pessoas que visitaram uma casa assombrada de alta intensidade, como experiências de medo controlado, exibiram menor atividade cerebral em resposta a estímulos e menos ansiedade após a exposição. Esse achado sugere que assistir a filmes de terror, histórias assustadoras ou jogos de videogame de suspense pode, na verdade, acalmá-lo depois. Esse efeito também pode explicar por que eu e meu marido escolhemos relaxar assistindo a séries de zumbis após um dia agitado no trabalho.
Os laços que nos unem
Um motivador essencial para os seres humanos é o sentimento de pertencimento a um grupo social. Segundo o cirurgião-geral dos EUA, autoridade de saúde pública do país, os americanos que carecem dessas conexões estão presos em uma epidemia de solidão, o que deixa as pessoas em risco de problemas de saúde mental e física.
Passar por experiências intensas de medo juntos fortalece os laços entre os indivíduos. Bons exemplos incluem veteranos que serviram juntos em combate, sobreviventes de desastres naturais e as “famílias” formadas em grupos de primeiros socorros.
Sou bombeira voluntária, e a conexão única criada ao compartilhar ameaças intensas, como entrar em um prédio em chamas juntos, se manifesta em laços emocionais profundos com meus colegas. Após um chamado significativo de incêndio, muitas vezes notamos a melhora no moral e na camaradagem do quartel. Sinto uma onda de emoções positivas sempre que penso em meus parceiros de combate a incêndios, mesmo quando os eventos ocorreram meses ou anos atrás.
Experiências de medo controlado criam artificialmente oportunidades semelhantes de vínculo. A exposição ao estresse desencadeia não apenas a resposta de luta ou fuga, mas, em muitas situações, também ativa o que os psicólogos chamam de sistema “proteger e fazer amigos”.
Uma ameaça percebida leva os humanos a cuidar dos filhos e a criar laços socioemocionais para proteção e conforto. Esse sistema é amplamente regulado pelo chamado “hormônio do amor”, a ocitocina.
A reação de proteger e fazer amigos é particularmente provável quando você experimenta o estresse ao lado de outras pessoas com quem já estabeleceu conexões sociais positivas. Ao enfrentar experiências recreativas de medo, como uma casa assombrada com amigos, você está preparando o ambiente emocional para se sentir mais conectado com quem está ao seu lado.
Sentar-se no escuro com amigos para assistir a um filme de terror ou atravessar um labirinto assombrado com um parceiro faz bem para a saúde, pois ajuda a fortalecer essas conexões sociais.
Prevenção e cura
Experiências de medo controlado também podem ser uma maneira de se preparar para o pior. Pense nos primeiros dias da pandemia de Covid-19, quando os filmes “Contágio” e “Epidemia” tiveram alta nos streamings enquanto as pessoas se abrigavam em casa. Ao assistir a cenários de ameaça se desenrolarem de forma controlada na mídia, você pode aprender sobre seus medos e se preparar emocionalmente para ameaças futuras.
Por exemplo, pesquisadores do Laboratório de Medo Recreativo da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, demonstraram em um estudo que pessoas que consumiam regularmente mídia de terror eram mais resilientes psicologicamente durante a pandemia do que os não fãs de terror. Os cientistas sugerem que essa resiliência pode ser resultado de um tipo de treinamento que esses fãs passaram – praticaram lidar com o medo e a ansiedade provocados por sua forma preferida de entretenimento. Como resultado, estavam mais preparados para enfrentar o medo real desencadeado pela pandemia.
Quando não estou ensinando, sou uma ávida leitora de ficção policial. Também escrevo suspenses psicológicos sob o pseudônimo de Sarah K. Stephens. Como leitora e escritora, noto temas semelhantes nos livros que me atraem, todos os quais se relacionam com meus próprios medos profundos: mães que falham com seus filhos de alguma forma, mulheres manipuladas à submissão, antagonistas misóginos.
Gosto de escrever e ler sobre meus medos – e ver os vilões pagando pelo que fizeram no final – porque me dá uma maneira de controlar a história. Consumir essas narrativas me permite ensaiar mentalmente como eu lidaria com essas circunstâncias, caso alguma se manifeste em minha vida real.
Sobreviver e prosperar
No caso das experiências de medo controlado, assustar-se é uma técnica fundamental para ajudá-lo a sobreviver e se adaptar em um mundo assustador. Ao provocar emoções poderosas e positivas, fortalecer redes sociais e prepará-lo para seus piores medos, você se torna mais capaz de aproveitar cada dia ao máximo.
Então, da próxima vez que estiver entre escolher uma comédia alegre e um thriller assustador para a noite de cinema, vá para o lado sombrio – isso faz bem para sua saúde.
* Sarah Kollat é professora de Psicologia na Universidade Estadual da Pensilvânia.
Fonte: O Globo
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