Nossos ancestrais não faziam três refeições por dia. Então, por que nós fazemos?
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Quiz rápido: qual é o trio mais famoso do mundo? Se você é fã de gastronomia, sua resposta provavelmente é café da manhã, almoço e jantar. É uma trindade quase universalmente aceita — principalmente no mundo ocidental.
Mas como isso aconteceu?
As primeiras refeições
Os primeiros humanos eram nômades. Formavam pequenas comunidades e viajavam conforme as estações do ano, buscando fontes locais de alimento.
Embora possamos apenas especular sobre como eram os ritmos das refeições diárias, evidências que datam de 30.000 anos, vindas da região da Morávia do Sul, na República Tcheca, mostram que as pessoas visitavam assentamentos específicos repetidamente. Reuniam-se em torno de lareiras, cozinhavam e compartilhavam comida: os primeiros sinais da "comensalidade" humana, a prática de comer juntos.
Um dos sítios de caçadores-coletores mais bem preservados que encontramos é Ohalo II, localizado às margens do atual Mar da Galileia (também chamado de Lago Tiberíades ou Lago Kinneret), em Israel, e que remonta a cerca de 23.000 anos.
Além de várias pequenas moradias com lareiras, o local fornece evidências de diversas fontes de alimentos, incluindo mais de 140 tipos de sementes e nozes, além de vários pássaros, peixes e mamíferos.
O desenvolvimento do conhecimento agrícola, há cerca de 12.000 anos, deu origem a assentamentos permanentes. Os primeiros foram na região do Levante (atravessando o atual Iraque, o sudoeste do Irã e o leste da Turquia), em uma área chamada de "Crescente Fértil".
A agricultura permanente levou à produção de um excedente de alimentos. A capacidade de permanecer em um lugar com comida à mão significava que o tempo de cozimento não importava mais tanto.
Rapidamente se tornou comum fazer uma refeição leve no início do dia, seguida por uma refeição maior preparada na lareira mais tarde. Os horários específicos variavam entre os grupos.
Comer juntos como regra
A natureza comunitária da coleta e caça, e posteriormente da agricultura, significava que os humanos quase sempre faziam suas refeições na companhia de outros. Na antiga cidade-estado de Esparta, no século IV a.C., essas práticas foram codificadas como refeições principais comuns chamadas syssitia (que significa "comer juntos").
Essas refeições eram consumidas ao final do dia em refeitórios comunitários. A comida era servida por jovens em mesas com cerca de 15 homens que viviam juntos e lutavam na mesma divisão militar. Os homens gradualmente compartilhavam o conhecimento geracional com os jovens, que se juntavam às mesas aos 20 anos.
No século V a.C., o historiador grego Heródoto escreveu sobre como a syssitia evoluiu de uma prática militar espartana para um profundo significado político na sociedade. Da mesma forma, Platão escreveu que as refeições comuns eram um componente integral da sociedade civil e que faltar a uma refeição sem um bom motivo era uma ofensa cívica.
Ao jantar à vista de todos, os cidadãos eram obrigados a manter a autodisciplina. A hora da refeição também era uma oportunidade de interação social e discussões importantes, desde negócios até política.
Os hábitos alimentares das mulheres espartanas não constam nos textos, embora esteja implícito que elas comiam em casa.
Diferentes almoços
Ao contrário do duro estilo de vida espartano, os romanos apreciavam sua refeição principal, a cena, no início do dia, seguida de uma refeição mais leve antes de dormir.
As tribos do norte da Europa tendiam a fazer duas refeições maiores por dia, já que climas mais frios exigiam mais sustento. Para os vikings, essas refeições eram conhecidas como dagmal e nattmal, ou refeição do dia e refeição da noite. Nattmal era a refeição noturna cozida, enquanto o dagmal geralmente consistia em sobras de nattmal com a adição de pão e cerveja ou hidromel.
Na Austrália, evidências sugerem que os povos aborígenes tendiam a fazer uma única refeição diária, o que condiz com o método predominante de cozimento: cozimento lento com brasas ou pedras em um forno de barro. Esse forno subterrâneo, usado pelas comunidades aborígenes e pelas comunidades das Ilhas do Estreito de Torres, era chamado de kup murri ou kap mauri por alguns grupos.
Isso é semelhante a outras preparações indígenas em todo o Pacífico, como o hāngī maori, da Nova Zelândia, o imu havaiano, o lovo fijiano e até mesmo o píib maia.
A refeição diária seria complementada com lanches ao longo do dia.
Três é o número mágico
O horário das refeições era fortemente influenciado pela estrutura de classes, pelo clima local e pelas atividades diárias das pessoas. A praticidade também desempenhava um papel. Sem iluminação confiável, as refeições tinham que ser preparadas e consumidas antes do anoitecer. Em regiões povoadas do norte da Europa, isso podia ocorrer já às 15h.
Então, como passamos de uma ou duas refeições principais para três? A resposta pode estar na Marinha Real Britânica.
Desde a sua criação no século XVI, a Marinha servia três refeições regulares para se adequar à rotina a bordo. Isso incluía um café da manhã simples com biscoitos do navio, o almoço como refeição principal e o jantar, uma ceia mais leve.
Algumas fontes sugerem que o termo “refeição quadrada” pode ter vindo das bandejas quadradas de madeira onde as refeições eram servidas.
A Revolução Industrial, que começou por volta de 1760, provavelmente também desempenhou um papel na formalização do conceito de três horários específicos de refeição no mundo ocidental.
A cadência do café da manhã, almoço e jantar correspondia à rotina dos dias de trabalho mais longos e padronizados. Os trabalhadores tomavam café da manhã e jantar em casa, antes e depois do trabalho, enquanto o almoço era servido com os colegas em um horário definido.
Com intervalos mínimos e sem tempo para lanches, três refeições substanciais tornaram-se necessárias.
A queda da Santíssima Trindade
Hoje em dia, muitos fatores influenciam o horário e a frequência das nossas refeições, desde longos deslocamentos para o trabalho até conciliar hobbies e obrigações sociais.
A pandemia de Covid também impactou como e o que comemos, levando-nos a consumir maiores quantidades de alimentos mais calóricos. O rápido crescimento dos serviços de entrega também significa que uma refeição está a apenas alguns minutos de distância da maioria das pessoas.
Tudo isso resultou em horários de refeição menos rígidos, com refeições sociais como brunch, jantares de 11h e chás da tarde expandindo a forma como nos conectamos em torno da comida. E os horários das refeições continuarão a evoluir à medida que nossas agendas se tornam cada vez mais complexas.
Fonte: O Globo
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