Com que frequência você controla a caderneta de imunização dos seus pacientes? Aproveita as consultas para saber o que eles pensam das vacinas? Sabe responder às dúvidas mais comuns?
Em uma pesquisa recente que, entre outras análises, ranqueou as fontes de informação da população sobre vacinas, os profissionais de saúde ficaram em quinto lugar, posicionados depois dos veículos de imprensa tradicionais, das redes sociais, de amigos e familiares e do governo. [1]
O estudo “As Fake News estão nos deixando doentes?” da Avaaz, uma organização não governamental (ONG) de mobilização social por meio da internet, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), mostrou que os principais motivos citados para não se vacinar ou não vacinar uma criança sob seus cuidados foram (1) falta de planejamento ou esquecimento; (2) não achar que a vacina fosse necessária; (3) falta de informação; e (4) medo de efeitos colaterais graves.
“Nossas descobertas mostram que a pouca circulação de informação confiável sobre vacinas está sendo parcialmente preenchida por conteúdo antivacinação e desinformação postados e compartilhados nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens”, alertaram os autores do estudo no relatório.
A pesquisa mostrou outro achado que não surpreende: “profissionais de saúde e outras fontes oficiais de informação têm um impacto positivo nas percepções sobre vacinas”.
Se a pesquisa nacional pessoal e domiciliar realizada pelo IBOPE Inteligência de 19 a 22 de setembro por encomenda da Avaaz e da SBIm for representativa, 45% da população brasileira com 16 anos ou mais sente alguma insegurança em relação às vacinas e 39% são hesitantes em relação a elas.
“A proporção de pessoas que acreditam em notícias falsas sobre vacinas é maior entre as que usam as redes sociais e/ou o WhatsApp como fonte de informação (73% versus 60% para quem cita outras fontes).”
De acordo com os resultados da pesquisa, os mais desinformados são os homens (apenas 2 a cada 10 reconhecem erros de informação), e também os mais inseguros em relação às vacinas (apenas 49% disseram acreditar que as vacinas são totalmente seguras contra 57% das mulheres). Os homens também tiveram os maiores índices de esquecimento (45% vs. 30% entre as mulheres) e não reconheceram a necessidade de vacinação (39% contra 23% das mulheres).
A idade parece ser outro fator: 18% entre os mais jovens (16 a 24 anos) não se vacinaram ou não vacinaram uma criança sob seus cuidados, uma porcentagem que cai para 8% entre os adultos com mais de 44 anos.
Ser médico não resolve o problema. Outros estudos mostraram evidências de hesitação vacinal também entre os profissionais de saúde, com baixa cobertura do cronograma completo da vacina contra hepatite B. [2]
Na pesquisa da Avaaz em parceria com a SBIm, 89% da classe A/B considera as vacinas total ou parcialmente seguras, mas o surgimento da hesitação vacinal entre brasileiros de classe alta foi bem documentado em um outro estudo, recém-publicado no periódico Vaccine. [3] Foram utilizados dados de uma pesquisa de coorte feita em Pelotas, no Rio Grande do Sul, entre 1982 e 2015, e um índice absoluto de desigualdade (SII, sigla do inglês Slope Index of Inequality), que expressa a diferença entre os extremos ricos e pobres da distribuição de renda. Em 1982, o gradiente social com maior cobertura vacinal evidenciou-se entre crianças de famílias ricas (SII = 25,0; P < 0,001), mas em 2015 o padrão foi invertido, com maior cobertura entre crianças pobres (SII = -6,0; P = 0,01).
As coberturas vacinais são baixas em toda América Latina, e é difícil definir o peso das distintas causas em uma decisão ou discriminar qual é a causa mais importante. [4] Em outro estudo, realizado pela Faculdade São Leopoldo Mandic, de Campinas, em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido, 76 dos 1.000 pais de crianças de menos de cinco anos entrevistados mostraram hesitação em vacinar seus filhos. As razões mais comuns foram problemas de confiança (41,4%), dúvidas na eficácia/segurança da vacina (25,5%) e preocupações com eventos adversos (23,6%). [5]
Onde nascem as dúvidas? Uma revisão sistemática da literatura com 50% dos trabalhos feitos no Brasil [4] evidenciou que “influências individuais/grupais” é a categoria de barreira à vacinação mais frequentemente relatada (68%), seguida por “influências contextuais” (47%), categoria que envolve as mídias, a cultura e a confiança nas autoridades. A falta de instrução sobre doenças e vacinas também foi citada como obstáculo à aceitação da vacinação.
Mitos
Os mitos sobre vacinação mais ouvidos pelos médicos, de acordo com a SBIm e a Organização Mundial da Saúde (OMS), são: há uma boa possibilidade de as vacinas causarem a doença que dizem prevenir; há uma boa possibilidade de as vacinas causarem efeitos colaterais graves; há tratamentos alternativos tão eficientes quanto ou mais do que as vacinas tradicionais; algumas vacinas contra infecções sexualmente transmissíveis (IST), como a contra o papilomavírus humano (HPV), servem de incentivo para os jovens se tornarem promíscuos; vacinas podem sobrecarregar o sistema imunológico das crianças; pais/familiares podem se contaminar com as fezes das crianças que tomaram vacinas que usam vírus vivos, como o rotavírus; o governo usa a vacinação como método de esterilização forçada da população pobre; mulheres grávidas não podem se vacinar; contrair a doença é uma proteção mais eficaz do que se vacinar contra ela; vacinas são desnecessárias.
Na pesquisa da Avaaz com a SBIm, quase 7 em cada 10 brasileiros (67%) acreditam em pelo menos uma dessas declarações, que são comprovadamente erradas. A desinformação estaria impedindo as pessoas de se vacinarem: 57% dos que não se vacinaram ou não vacinaram uma criança sob seus cuidados citaram alguma destas razões, e muitos deles basearam sua decisão em alertas, notícias e histórias on-line.
Além de reduzir a proteção individual e da comunidade, contribuindo para que doenças sob controle voltem a circular no Brasil, estas influências negativas externas poderiam estar gerando doenças psicogênicas. É o que, segundo psiquiatras da Universidade de São Paulo (UPS), teria acontecido recentemente no Acre, e o medo da vacina contra HPV teria sido um elemento imediato disparador. [6]
Interesses ocultos
Entre os serviços de monitoramento e checagem de informações mais relevantes do Brasil estão os sites do Drauzio Varella, a Agência Lupa, Aos Fatos, Fato ou Fake (do Grupo Globo), Boatos.org, E-farsas, UOL Confere e o Ministério da Saúde. A equipe antidesinformação da Avaaz, que trabalha para detectar, tornar pública e combater a desinformação nas redes sociais, foi investigar os indivíduos e empresas por trás destes enganos. Como amostra, a equipe usou conteúdos com desinformação sobre vacinas que haviam sido corrigidos pelos serviços de checagem mencionados e, na sequência, investigou a origem deles. Muitas desinformações datam de quatro ou cinco anos atrás, e um dos vídeos mais vistos no Facebook é de 2010.
Algumas vezes, o conteúdo falso sobre vacinas é criado por pessoas que vendem “curas alternativas”. Os vídeos antivacinação mais populares no Brasil são de autoria de Jaime Bruning, autor do livro “A saúde brota na natureza”, que oferece terapias naturais e atende em na cidade de Americana, em São Paulo. Os vídeos de Jaime atingiram mais de um milhão de visualizações no YouTube, e compartilhamentos no WhatsApp.
Fazem também sucesso os vídeos do cardiologista e nutrólogo Dr. Lair Ribeiro, e de personagens difíceis de definir, como Romulus Maraschin, cujo vídeo titulado “VACINAÇÃO: Redução Populacional, Mosquitos Transgênicos, Pedras Guias da Geórgia, Bill Gates & NOM”, publicado em 2018, tem mais de 800.000 visualizações.
Usando um programa automatizado baseado em palavras-chave e títulos de notícias, a equipe da Avaaz? identificou mais de 1.600 links de notícias negativas sobre vacinas – a metade fora produzida originalmente nos Estados Unidos e replicada por contas brasileiras.
A maior quantidade de conteúdo antivacinação (postagens no Facebook e artigos para sites) no Brasil se origina no site Notícias Naturais ,que tem um anunciante fixo: a loja on-line Tudo Saudável, com sede em Florianópolis. O site traduz grande parte do conteúdo de outro site, o Natural News vinculado a uma loja de “produtos naturais” e gerenciado por Mike Adams, uma figura já conhecida na internet por divulgar informações falsas sobre saúde. O site Natural News teve seu alcance reduzido no Google, no Facebook, no YouTube e no Twitter devido ao programa de combate à desinformação de conteúdo médico dessas empresas. No entanto, os artigos do site traduzidos para o português são amplamente distribuídos no Brasil, destaca o relatório.
De modo geral, uma informação digital continua o seu caminho em múltiplas plataformas. Para se ter uma ideia, 1.613 artigos originais analisados alcançaram 489.000 compartilhamentos no Facebook. E cada página levava a outras a páginas que compartilhavam conteúdo semelhante. Também é impossível medir o alcance das mensagens de WhatsApp devido à natureza privada dessas conversas. Mas há indícios de que o aplicativo é uma fonte relevante para a disseminação de conteúdo antivacinação.
O que fazer
A maioria das pessoas expostas ao conteúdo falso provavelmente nunca saberá que foi exposta à desinformação. Tentar frear as fake news mediante verificação de fatos e divulgação do engano teria alcance baixo. O post mais compartilhado do Facebook da amostra da pesquisa da Avaaz/SBIm foi um vídeo contrário à vacina contra o HPV, que teve quase 20 milhões de visualizações e gerou 762.000 reações. A publicação do Ministério da Saúde explicando que o conteúdo era falso teve apenas 10 compartilhamentos. Além disso, o conteúdo falso viaja por vários canais de mídia social, e um grande número de pessoas que viu o conteúdo provavelmente nunca terá acesso à correção dos fatos.
Revisões sistemáticas concluíram que não há fortes evidências para recomendar intervenções específicas. Em geral, a maioria das intervenções apresentam mais de um componente e são as voltadas para o aumento do conhecimento como estratégia de comunicação, mídia, mobilização social, e ferramentas de informação para profissionais de saúde. [2] Neste sentido, os entrevistados pela pesquisa da Avaaz/SBIm mostraram mais confiança quando tinham informações mais formais e técnicas sobre o assunto por terem falado sobre o tema com médicos.
Os profissionais de saúde usam o seu papel de influenciadores em prol das vacinas? Uma pesquisa qualitativa realizada por uma empresa de marketing para a SBIm, à qual o Medscape teve acesso exclusivo, mostrou que mesmo que todos os 11 médicos de 8 diferentes especialidades entrevistados exortassem as vacinas como algo com o máximo grau de importância, a prática não acompanharia a teoria. [12] Dos 15 tipos de vacinas listadas, os entrevistados só haviam recomendado nos últimos seis meses as vacinas contra gripe, febre amarela e difteria/tétano/coqueluche, e uma parcela não se considerava, na prática, agente de difusão das vacinas. Na geriatria, a recorrência de prescrições era elevada, mas principalmente focada na vacina contra influenza. Um cardiologista disse: “Na minha área, eu não aplico, não prescrevo e nem indico vacinas.”
Comunicação com pacientes, pais e cuidadores
A decisão de se vacinar ou de vacinar os filhos é complexa. A melhor maneira de transmitir mensagens que mudam o comportamento em relação às vacinas é uma comunicação de mão dupla, ou seja, ouvir os pacientes, acolher experiências, medos e crenças, para então expor fatos, argumentar, e assim aumentar a confiança nas vacinas. Leia a seguir as principais recomendações da OMS. [7,8,9,10]
O que falar
Compartilhar dados sobre doenças que podem ser prevenidas por vacinação; dar informações sobre segurança e risco; explicar por que as vacinas são recomendadas e quando (incluindo horários e doses); relatar os padrões de segurança de fabricação das vacinas e o licenciamento nacional para construir confiança na tomada de decisão.
Ajudar no planejamento fornecendo informações práticas como locais de vacinação.
Aproveitar todas as oportunidades para falar sobre a vacinação de todos os membros da família.
Se o paciente ainda manifestar dúvidas
Oferecer informações sobre as milhões de vidas salvas pelas vacinas pode ser muito mais eficaz do que apresentar dados assustadores sobre as consequências, sequelas e mortalidade de doenças infecciosas.
Explicar os benefícios para a comunidade por meio da proteção do rebanho, destacando que as pessoas que não podem receber vacinas merecem a nossa preocupação.
Explorar as razões e motivações para a hesitação com perguntas abertas (por quê, como? Fale mais…) que evitem respostas com “sim” ou “não”, por exemplo: “Entendo que você quer fazer a melhor escolha para si mesmo. Com que efeitos colaterais você está preocupado?”
À medida que a conversa evolui, explorar os medos com cuidado para não adicionar preocupações, mencionando questões não levantadas.
Resumindo a interação
Verificar compreensão e entender o que eles vão fazer com essas informações, por exemplo: “Dada a nossa discussão, como você vê a decisão agora? Lembre que estou aqui para ajudar a falar sobre quaisquer preocupações que você possa ter.”
Determinando a ação
Se o paciente decide pela vacina, elogiar para afirmar a decisão positiva.
Se ainda houver dúvida, programar uma nova discussão, por exemplo: “Vamos revisitar isso depois que você tiver a chance de pensar mais sobre o assunto. Quando você pode voltar?”
Se houver recusa, deixar a porta aberta, por exemplo: “Entendo. Por favor, saiba que se você mudar de ideia e quiser falar sobre vacinação, estamos sempre disponíveis”.
O que não dizer
“As vacinas são boas, você deve se vacinar.
“Você está errado, as pesquisas apoiam as vacinas”
Atenção, obstetras!
As decisões sobre vacinas infantis parecem ter início no período pré-natal. Primíparas têm mais dúvidas sobre vacinas, e as mulheres que aderem ao cronograma de vacinação durante a gestação parecem ter uma atitude de confiança para vacinas semelhantes para seus filhos.
Vacine-se, doutor
A vacinação dos profissionais de saúde, seu conhecimento sobre o assunto e sua própria confiança nas vacinas são essenciais para orientar seu comportamento ao indicar vacinas para seus pacientes. Uma revisão de 185 artigos sobre hesitação vacinal entre profissionais de saúde mostrou que um profissional devidamente vacinado é mais propenso a prescrever vacinas. [11]
Ajude os médicos mais jovens
A maioria dos participantes de um estudo com residentes pediatras dos Estados Unidos relatou extrema preocupação em lidar com os pais que recusaram vacinas, e mais de 95% relataram que se beneficiariam de uma melhor formação na área.
Converse com os colegas mais velhos
Um estudo realizado com médicos norte-americanos em diferentes intervalos de tempo desde a graduação mostrou uma diminuição de 15% na confiança na segurança vacinal para cada intervalo de cinco anos, sugerindo que a percepção dos riscos e os benefícios da imunização diferem entre os médicos treinados nos últimos anos quando comparados aos seus colegas mais velhos. Esta percepção pode refletir na maneira como eles recomendam vacinas para seus pacientes. [7]
A Avaaz é financiada por doações individuais, não aceita doações de empresas nem de governos. A SBIm foi parceira na elaboração do questionário, cruzamento de informações e análise dos dados.
Fonte: Medscape
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