Quatro anos depois de fracassar na tentativa de mexer nos planos de saúde, a Câmara dos Deputados instalou uma nova comissão especial para voltar a discutir o tema, com um discurso crítico ao modelo atual. Insatisfeitos com a qualidade e custos dos serviços, os deputados planejam mexer em regras que levem à queda de preços para os pacientes e melhoria no relacionamento com classe médica.
"Nós vemos que os médicos, assim como os pacientes, estão sofrendo muito com os planos de saúde", afirmou a presidente da Comissão Especial, deputada Soraya Manato (PSL-ES), que é médica, como boa parte dos integrantes da Comissão. "Estamos vendo que, muitas vezes, a população brasileira está sendo massacrada e muitos estão tendo esse empobrecimento em relação à entrada nos planos de saúde, para manter seus planos pelos altos custos. Nós não vemos essas operadoras terem prejuízo", criticou a deputada. Não é a primeira vez que a Câmara tenta mudar as regras para os planos de saúde. Em 2017, uma comissão semelhante foi instalada e teve como relator o então deputado e atual ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Na ocasião, não faltaram problemas para que a discussão avançasse. No meio de pressões políticas e críticas de todas as partes envolvidas, não houve acordo político sequer para votar o relatório feito por Marinho.
"Apesar de toda a competência do nosso relator anterior, o atual ministro Rogério Marinho, nós não conseguimos chegar aqui a um acordo para votar o relatório", relembra o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), que é o relator da proposta e presidiu a Comissão Especial anterior. Nesta quinta, o deputado apresentou seu plano de trabalho para orientar o andamento das discussões da Comissão e disse que planeja aproveitar parte do trabalho feito anteriormente por Rogério Marinho.
"Se conseguimos aqui criar um marco legal adequado, inclusive para garantir a inclusão de mais usuários na saúde suplementar, nós terminamos até desafogando o SUS. E isso é um desafio para nós", afirmou o deputado.
A discussão está sendo retomada pouco tempo depois de o presidente Jair Bolsonaro ter vetado o Projeto de Lei 6330/19, que previa que os planos de saúde cobrissem as despesas de seus clientes com alguns medicamentos contra o câncer. No seu veto, Bolsonaro citou explicitamente os problemas que poderiam ocorrer no mercado dos planos de saúde caso não vetasse o projeto.
"A medida, ao incluir esses novos medicamentos de forma automática, sem a devida avaliação técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar para a inclusão de medicamentos e procedimentos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, contraria o interesse público por deixar de levar em consideração aspectos como a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica aos atores do mercado e a toda a sociedade civil, de forma que comprometeria a sustentabilidade do mercado e criaria discrepâncias no tratamento das tecnologias e, consequentemente, no acesso dos bene?ciários ao tratamento de que necessitam, o que privilegiaria os pacientes acometidos por doenças oncológicas que requeiram a utilização de antineoplásicos orais", cita o texto do veto presidencial.
E o veto foi ainda mais claro na preocupação do governo com o repasse dos custos para os planos: "Por fim, ao considerar o alto custo dos antineoplásicos orais e a imprevisibilidade da aprovação e concessão dos registros pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, existiria o risco do comprometimento da sustentabilidade do mercado de planos privados de assistência à saúde, o qual teria como consequência o inevitável repasse desses custos adicionais aos consumidores, de modo que encareceria, ainda mais, os planos de saúde, além de poder trazer riscos à manutenção da cobertura privada aos atuais beneficiários, particularmente aos mais pobres".
Na primeira reunião da Comissão Especial, o deputado Zacharias Calil (DEM-GO) fez questão de lembrar do problema. Ele criticou a ação, citando que as operadoras dos planos tiveram um crescimento de 49,5% e um faturamento de R$ 17,5 bilhões em 2020, segundo dados da ANS.
"Não tem como inviabilizar um tratamento quimioterápico oral que você pode trabalhar em cima disso melhorando a condição do paciente de não internação, de evitar efeitos colaterais com aplicação venosa desses medicamentos", explicou o deputado.
A deputada Soraya Manato lembrou na discussão da Comissão que "está havendo uma reserva de mercado" por parte das operadoras. "E isso é muito preocupante. Porque quando você tem reserva de mercado você dita regras", avaliou.
"Nós temos o empobrecimento dos planos individuais e familiares em detrimento dos planos coletivos. E isso nos preocupa muito já que a ANS não consegue, nem os próprios órgãos de defesa do consumidor conseguem intervir nos planos coletivos, já que eles alegam que é de pessoa jurídica para pessoa jurídica. Então, nós deixamos muito ao léu o próprio usuário do plano de saúde", lamentou a presidente da Comissão.
Para a deputada, o trabalho da Comissão será importante justamente para tentar equilibrar um pouco mais o sistema. "Nós não temos voz ativa, nem força. Se nós médicos não temos, imaginem os pacientes. Então, o objetivo nosso é tentar reduzir essa disparidade que está ocorrendo na saúde brasileira e que no final todos saiam vencedores", disse Soraya.
Fonte: Terra
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