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‘Não há pessoas saudáveis em um planeta doente', diz ex-monge indiano Satish Kumar



O indiano Satish Kumar, 87 anos, já foi monge. Largou a vida no monastério para fazer uma caminhada pela paz, passando por 15 países sem nenhum centavo. Se mudou para a Inglaterra e lá fundou o Schumacher College, instituição educacional por uma vida sustentável. Monge, ativista pela paz ou ambientalista, não há distinção. Assim como, para ele, não há distinção entre o homem, a sociedade e a natureza.


— Tudo está conectado, mas vemos coisas separadas.


Satish esteve agora no Brasil para assistir ao primeiro corte do documentário Amor Radical, filme de Julio Hey sobre sua trajetória de vida. O longa é um projeto original Aquarius, plataforma de streaming brasileira dedicada exclusivamente a conteúdo audiovisual sobre temas como saúde, bem-estar, meio ambiente, arte, ciência, tecnologia, psicologia e sociedade.

Durante sua passagem por São Paulo, ele falou ao GLOBO sobre como vê a humanidade mais doente, enquanto o planeta também adoece. Veja os melhores momentos.


O senhor fala muito na ‘saúde da humanidade’. Qual é a sua análise?


Não há pessoas saudáveis em um planeta doente. Portanto, a saúde humana, a saúde da sociedade e a saúde da natureza estão todas interligadas neste momento. No mundo, a saúde humana não anda tão boa. Estou na Inglaterra há 50 anos. Nem um único ano as pessoas dizem que o sistema de saúde está em bom estado e não temos crise. Todos os anos quanto mais pessoas doentes os hospitais puderem acomodar, mais pessoas doentes os médicos irão atender. Cada vez mais pessoas ficam doentes. E nunca perguntamos por que é que as pessoas estão doentes.


Qual seria a causa?


Porque com nosso estilo de vida, nossa comida, nossa forma de trabalhar, nosso ar, água e solo poluídos não podemos ser saudáveis. Então, penso que os serviços nacionais de saúde em todo o mundo, Brasil, Inglaterra, Estados Unidos, Índia, China, Rússia e todos os lugares têm que ver isso. Não adianta tratar as pessoas depois que elas adoecem, mas cuidar das pessoas antes que elas adoeçam. Como tratar pessoas doentes não é mais a questão. A questão é: como permanecer saudável? Então, que tipo de comida você come? Que tipo de sono você tem? Que tipo de trabalho você está fazendo? Que tipo de ar você está respirando, qual a água que você está bebendo, todas essas questões são relevantes.


O senhor tem 87 anos e é muito saudável. Qual é a receita para chegar a essa idade viajando da Inglaterra para o Brasil?


Moro no campo, então respiro um ar comparativamente limpo e saudável. Sou jardineiro, então trabalho todos os dias com meu corpo, e sou um caminhador, caminho todos os dias. Nosso corpo precisa ser trabalhado. Nosso estilo de vida no mundo é sedentário, as pessoas se sentam em frente ao computador e não fazem nada. A outra coisa é psicologicamente: estou saudável e feliz porque amo e acredito no amor. Se você está infeliz, sua mente está preocupada e você está sempre sob pressão, seu corpo não será saudável. A saúde da mente e a saúde do corpo estão conectadas, assim como estão conectadas à saúde da comunidade e à saúde planetária. Tudo está conectado, mas vemos as coisas separadas. A natureza separada, os humanos separados, outras pessoas separadas, eu separado. A nossa crise é uma crise de separação.


Qual o papel da natureza nesse contexto?


Nós somos a natureza. A natureza não está apenas lá fora. Somos terra, ar, fogo, água e a natureza não é um recurso para a economia, ela é a própria vida. A natureza tornou-se um recurso para a economia assim como os humanos tornaram-se um recurso para a economia Já não valorizamos os humanos. Você tem o departamento de RH, que significa recursos humanos. Então, os humanos são um recurso para ganhar dinheiro. A economia tornou-se o mestre e os humanos tornaram-se um recurso e um servo.


O senhor acha que é por isso que as pessoas têm tantas doenças mentais?


Sim, porque se sentem ansiosas. Ansiedade é causa de doença. A depressão vem da ansiedade. E as pessoas estão cada vez mais ansiosas. O crescimento econômico não está deixando as pessoas felizes, satisfeitas, não há contentamento. Por mais que você tenha, nunca é suficiente. Você quer mais e mais. A publicidade está sempre dizendo que você quer algo diferente, algo novo. A saúde é um grande problema no momento, ansiedade, depressão. E é por isso que temos tantos comprimidos e as empresas farmacêuticas são as maiores geradoras de lucro, o maior negócio, um grande negócio.


O senhor escreveu o livro “Simplicidade Elegante: a arte de viver bem em nosso precioso planeta Simplicidade”. Estamos longe desse caminho?


Sim, nossas vidas se tornaram muito complicadas, uma bagunça complicada. No momento em que você se torna dependente da tecnologia, da máquina, nossos relacionamentos se tornaram complicados. E existe a questão do desperdício. Estamos sempre querendo mais, mais, tudo o que você tem nunca é suficiente. A cada temporada, uma nova moda. A cada dois anos, um novo smartphone. A cada cinco anos, um carro novo. É uma economia descartável, e por isso estou defendendo uma simplicidade elegante para as gerações futuras. Estamos usando recursos em grande velocidade. Portanto, minha simplicidade elegante é viver simplesmente para que as gerações futuras possam viver. A simplicidade é criar economia cíclica. Sem desperdício, sem poluição, tudo que vem da natureza volta para a natureza. A economia industrial é linear: pegue, use, jogue fora, pegue, use, jogue fora. Essa não é a economia da natureza.


Para muitas pessoas é difícil sair desse modo de vida. É possível que ainda assim as pessoas consigam viver de forma mais saudável e sustentável?


Sim, é possível se você projetar a cidade de uma forma espiritual, estética, ecológica e sustentável. O Brasil tem muita terra, não deveria haver casa sem jardim aqui. Por que temos cidades tão congestionadas como Rio de Janeiro ou São Paulo? Uma cidade não deveria ter mais do que duas ou três milhões de pessoas e todas as casas, todos os escritórios e todas as escolas deveriam ter um jardim. As pessoas deveriam ser capazes de estar perto da natureza, perto da terra. Ao nos conectarmos com a terra nos tornamos indígenas. Então, temos que redesenhar nossas cidades. Nenhuma pessoa deveria ficar sem árvores, flores, ervas e frutas porque os humanos são natureza. Acho que precisamos de coragem, e dizemos que queremos criar uma vida, uma vida boa para o nosso país. O Brasil pode ser um paraíso na Terra, mas é uma má gestão, culpa do nosso sistema industrial.


Quando jovem, o senhor era um monge. Mas decidiu seguir outros caminhos. Como lida com a espiritualidade?


Quando você é um monge, está deixando o mundo. Vai viver uma vida espiritual em uma ordem monástica, mas quantas pessoas podem deixar o mundo e praticar a espiritualidade em uma ordem monástica? Muito poucas. A espiritualidade deveria estar disponível para todos porque somos espírito. Como praticar a espiritualidade no mundo? O que torna algo espiritual? Se você é professor porque precisa de um salário, você está ensinando para ganhar dinheiro, para poder pagar as contas. Isso não é espiritualidade. Mas se você ensina porque ama crianças, ama o conhecimento e quer compartilhar o conhecimento com a próxima geração, então seu amor é espiritualidade. Se você é um médico e está curando pessoas porque essa é a sua paixão, porque ama a humanidade e quer ver as pessoas com boa saúde, então você é um médico para servir a humanidade, é uma prática espiritual. Não há nada de errado em ganhar dinheiro. Mas o dinheiro é um meio para um fim. Tudo pode ser espiritual com sua atitude, com sua consciência. Espiritualidade é imaterial. Amor, compaixão, bondade, generosidade, senso de serviço, conhecimento, sabedoria, tudo isso é espiritual e deve se manifestar através do mundo material. Para mim a espiritualidade não está na igreja, nem no templo. Espiritualidade é ação cotidiana. Que tipo de ato você faz todos os dias? São atos de amor, compaixão, serviço, bondade e generosidade? Então você está praticando espiritualidade todos os dias.


O senhor percorreu 15 países sem dinheiro, apenas confiando na caridade das pessoas. Posso supor que acredita na humanidade?


As guerras começam com o medo e a paz começa com a confiança. Então, se eu estava trabalhando pela paz, tinha que mostrar que confio, não tenho medo, nem da fome, nem da morte, nem de ficar sem teto. Eu não tenho medo de nada porque tenho confiança e amor em meu coração. As pessoas confiam em você. Eu andei por países muçulmanos, países cristãos, países comunistas e capitalistas, ricos e pobres. Estranhos me alimentaram, me ajudaram, me deram sapatos, me deram roupas, me deram abrigo, me deram comida, tudo. Eu estava distribuindo pacotes de chá para quatro potências nucleares. A mensagem era: apenas sente-se com seu oponente e tomem uma xícara de chá juntos. Cada xícara de chá é uma xícara de amor. Cada xícara de chá é uma xícara de paz. Eu acredito na humanidade. Eu confio, confio em mim mesmo e confio na humanidade. Confio em todos para que possamos mudar. Podemos ser melhores.


"Amor Radical” é livro, filme e um movimento por uma vida mais consciente, generosa e participativa. Como é esse amor?


O amor vem primeiro do que a democracia. A democracia por si só não é garantia de um bom governo. O amor vem primeiro que a ciência. A ciência por si só não é garantia de uma vida boa. A ciência pode produzir armas nucleares. O amor vem antes e depois a verdade. Você pode ter a sua verdade, eu a minha verdade. O amor também vem antes da economia. Esse é o meu amor radical.


Fonte: O Globo

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