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Pandemia de Covid-19 afeta mais o trabalho de cientistas que têm filhos, aponta estudo



A pandemia de Covid-19 está afetando mais o trabalho de cientistas que têm filhos do que daqueles que não os têm, aponta um estudo publicado nesta semana na revista "Nature Human Behavior", do grupo da revista "Nature", uma das mais importantes do mundo.

O efeito é ainda maior para as cientistas mulheres cientistas que são mães, diz a pesquisa, feita por cientistas das universidades de Harvard, Yale, Northwestern e outros institutos nos Estados Unidos. "Cientistas do sexo feminino e cientistas com dependentes jovens relataram que sua capacidade de dedicar tempo à pesquisa foi substancialmente afetada, e esses efeitos parecem aditivos: o impacto é mais pronunciado para as mulheres cientistas com dependentes jovens", aponta o estudo. "Existe uma lacuna de gênero persistente e bem documentada na ciência. Descobrimos que existem realmente diferenças substanciais entre nossos entrevistados, homens e mulheres, em como a pandemia afetou seu trabalho", continua o texto. Eles chegaram às conclusões depois de conduzir um questionário com 4.535 pesquisadores nos EUA e na Europa, em abril, cerca de um mês depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar a Covid-19 uma pandemia. Menos tempo de pesquisa O estudo constatou que, para 55% dos cientistas pesquisados (homens e mulheres, com ou sem filhos), a carga horária de trabalho semanal média caiu de 61 para 54 horas, cerca de 11%. O tempo dedicado à pesquisa foi o que mais diminuiu: houve uma queda de 24% em média (o tempo de trabalho dos cientistas inclui outras atividades, como as administrativas, as de angariar recursos e as de ensino).

Só que, no caso das mulheres, a queda no tempo de pesquisa foi 5% maior que a dos homens. Isso foi visto mesmo quando ambos respondem o mesmo a todas as outras perguntas (como idade e área de atuação). Por exemplo: uma mulher geóloga, de 40 anos, perdeu 5% a mais do tempo de pesquisa do que um homem geólogo de 40 anos. Para cientistas (homens ou mulheres) que tinham filhos de 5 anos de idade ou menos, a queda no tempo de pesquisa chegou a ser 17% maior do que para aqueles nas mesmas condições e sem filhos. Ter mais de um filho foi associado a uma queda adicional de 3% nesse tempo. No caso de mulheres com filhos, então, explica Kyle Myers, professor da Universidade de Harvard e um dos autores do estudo, o tempo dedicado à pesquisa durante a pandemia foi 22% menor do que o de homens sem filhos. "Portanto, se você quer saber como o grande declínio está associado a cientistas que são do sexo feminino e têm um filho pequeno como dependente, nas mesmas condições, adicione os 5% (do sexo feminino) e os 17% (ter dependentes pequenos) para chegar a um declínio geral de 22% no tempo de pesquisa em comparação com um homem que não tem um dependente pequeno" - Kyle Myers, professor de Harvard "De fato, 'proteger-se em casa' não é o mesmo que 'trabalhar em casa' quando os dependentes também estão em casa e precisam de cuidados", pontuam os cientistas no estudo.

Myers alerta, entretanto, que a pesquisa aponta que há uma correlação entre esses fatores, mas não é possível dizer que o gênero e o cuidado com os filhos são a causa da redução de horas. "Fizemos o possível para explicar outras diferenças entre os cientistas, mas este estudo é apenas um começo para melhorar nossa compreensão de como a pandemia e políticas como distanciamento social e ficar em casa estão afetando os cientistas", explica o professor de Harvard. O estudo também aponta que os que trabalham em áreas que dependem de uso de laboratórios – como química, biologia ou bioquímica – foram os que mais diminuíram as horas de pesquisa. Já outras áreas – como as de matemática, estatística, economia e computação – sofreram menos. "Embora esta pesquisa forneça um retrato dos impactos imediatos da pandemia em um único momento, as circunstâncias continuarão a evoluir e provavelmente haverá outros impactos notáveis para a ciência. As disparidades que observamos podem até ser exacerbadas", pondera o estudo. Os pesquisadores alertaram, entretanto, que o estudo tem limitações: apenas 1,6% dos cientistas contatados responderam ao questionário – e existe a probabilidade de que os que o fizeram sentissem mais necessidade de compartilhar a própria situação. Além disso, o estudo também não capta resultados no resto do mundo. Pesquisa brasileira Um segundo estudo, que ainda não passou por revisão de outros pesquisadores (a chamada "revisão por pares") e ainda não foi publicado, mostra a mesma tendência para o Brasil. Analisando as respostas de 3.345 cientistas do país, pesquisadores do movimento "Parent in Science" concluíram que cientistas mulheres – principalmente as que são negras ou mães – são as mais afetadas pela pandemia. Os cientistas homens, principalmente os que não têm filhos, foram os menos afetados. Integrantes do movimento já haviam alertado para esse cenário em uma carta publicada há dois meses na revista "Science", uma das publicações científicas mais importantes do mundo. "Essa disparidade exacerbada durante a pandemia reflete a desigualdade histórica entre as carreiras de homens e mulheres", pontua o estudo brasileiro. "As mulheres podem sofrer uma diminuição na produtividade do trabalho após o nascimento de seus filhos. Como resultado, ocorre um aumento na diferença de gênero após a maternidade em muitas áreas", afirmam.

Além disso, a cor da pele também influencia no efeito negativo que a pandemia trouxe para cientistas. Mulheres negras sofreram o maior impacto, junto com as mulheres brancas com filhos. A maternidade, no caso de mulheres negras, não trouxe diferenças na produtividade. "Na verdade, não é que as mulheres negras e mães foram menos afetadas pela pandemia que as brancas, e sim que elas são afetadas independente da maternidade", afirma Pâmela Mello Carpes, professora no curso de fisioterapia na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e integrante do "Parent in Science". "A exclusão e o afastamento das mulheres negras da academia é algo que acontece há muito tempo. É racismo estrutural, não é algo que a pandemia vai fazer com que apareça", explica Eliade Ferreira Lima, astrofísica e professora do curso de ciências da natureza da Unipampa. "A importância, nessa pandemia, não é você publicar sozinho, é que a sua rede de publicação continue forte, o seu grupo de pesquisa continue unido. Uma coisa é você estar no laboratório, no campus, com os seus parceiros de trabalho no dia a dia, você vai ser lembrado todo o tempo. Só que, na pandemia, não", lembra Lima, que também integra o "Parent in Science" e pretende estudar as redes de publicação de mulheres cientistas. Já os homens negros tiveram menor impacto na produtividade do que as mulheres negras. Na avaliação da astrofísica, isso pode ter a ver com a distribuição das áreas que responderam à pesquisa (o estudo não foi separado por área do conhecimento) e com o fato de que eles ainda são melhor representados na ciência do que as mulheres.

"Na academia, você tem os homens [brancos]; em menor quantidade, os homens negros, poucas mulheres [brancas] e pouquíssimas mulheres negras, principalmente nas áreas duras. A gente não colocou todas as variáveis, mas tudo isso influencia também", afirma.


Fonte: G1

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