Uma nova pesquisa indica que o parto cesáreo está associado a maior risco de transtorno do espectro autista e transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade (TDAH).
Uma revisão e metanálise de 61 estudos realizados em 19 países contendo 20,6 milhões de partos, mostrou uma associação 33% maior com o transtorno do espectro autista e 17% maior com o TDAH entre as crianças nascidas por cesariana em comparação com as nascidas por parto vaginal.
Esses achados foram os mesmos tanto nos casos de cesariana eletiva como nos de conversão do parto para cesariana de urgência.
“Sabe-se muito bem que o ideal é que a cesariana só seja feita se houver indicação clínica, e os obstetras devem se esforçar ao máximo para fazer o parto cesáreo para as mulheres que precisam desse procedimento”, disse ao Medscape a Dra. Tianyang Zhang, primeira autora do estudo e doutoranda do Centre for Psychiatry Research do Karolinska Institutet, na Suécia.
“No caso das mulheres sem indicação de cesariana, pode não ser apropriado recomendar esse procedimento. Os obstetras devem fazer uma avaliação completa do estado de saúde da mãe e do(s) bebê(s) para definir a conduta”, disse a pesquisadora, que também é membro do Departamento de Epidemiologia Médica e Bioestatística do Karolinska Institutet.
Os achados foram publicados on-line em 28 de agosto no periódico JAMA Network Open.
Desfechos negativos
Os partos cesáreos já foram associados a vários desfechos negativos de saúde para as crianças, como obesidade, asma, alergia e diabetes tipo 1. “No entanto, a associação entre o parto cesáreo e os transtornos do desenvolvimento e psiquiátricos foi menos estudada”, afirmou a Dra. Tianyang.
“Além disso, não se sabe se essa associação difere entre a cesariana planejada com antecedência e a cesariana de urgência por conversão durante o parto realizada por indicação clínica”, acrescentou.
Para responder essas perguntas, os pesquisadores fizeram uma revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais “para avaliar até que ponto a cesariana está associada a diversos transtornos psiquiátricos e do desenvolvimento neurológico em comparação com o parto vaginal”.
Foi avaliado também se o tipo de cesariana, eletiva ou de urgência, ou se o parto vaginal instrumentalizado com uso de extrator a vácuo ou fórceps estavam associados a transtornos psiquiátricos e do desenvolvimento neurológico nas crianças. Os pesquisadores identificaram 6.953 estudos, dos quais 61, inclusive 67 amostras independentes (N = 20.607.935 partos), preencheram os critérios de inclusão.
Os estudos deveriam ser observacionais e permitir a avaliação das associações entre o tipo de parto e os transtornos do desenvolvimento neurológico e/ou psiquiátricos. Além disso, deveriam conter somente diagnósticos formais, e não desfechos relatados pela própria pessoa ou pelos responsáveis.
As características dos estudos foram:
Associação da cesariana com o diagnóstico de transtorno do espectro autista: 27 estudos (59.795 casos)
Associação com TDAH: 13 estudos (92.718 casos)
Associação com déficits intelectuais: três estudos (485 casos)
Associação com transtornos de tiques: três estudos (6.181 casos)
Associação com transtornos alimentares: quatro estudos (4.550 casos)
Associação com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): três estudos (7.295 casos)
Associação com depressão maior ou psicoses com doença do afeto: cinco estudos (8.561 casos)
Associação com psicoses sem doença do afeto: sete estudos (7.195 casos)
Destes, a qualidade do estudo foi definida como “alta” em 82% das coortes e 50% dos estudos de caso-controle.
Maior risco
O parto cesáreo foi significativamente associado a maior probabilidade de diagnóstico de transtorno do espectro autista nas crianças em comparação com o parto vaginal (razão de chance ou odds ratio, OR, de 1,33; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,25 a 1,41).
De forma semelhante, houve uma associação significativa com maior número de diagnósticos de TDAH (OR = 1,17; IC 95%, de 1,07 a 1,26).
Houve também maior probabilidade de outros transtornos psiquiátricos e do desenvolvimento neurológico nas crianças nascidas por cesariana, em comparação com as crianças nascidas por via vaginal. Entretanto, essas associações não atingiram significância estatística, “possivelmente por causa do pequeno número de estudos”, escreveram os pesquisadores.
Quando os pesquisadores fizeram uma análise pelo método “deixar um de fora” (“leave-one-out“), no qual omitiam um estudo para cada desfecho, descobriram associações estatisticamente significativas entre a cesariana e as deficiências intelectuais, o transtorno obsessivo-compulsivo e os transtornos de tiques (OR após a exclusão = 2,61; 1,13; e 1,24, respectivamente).
Tanto a cesariana eletiva como a de urgência foram associadas a maior probabilidade de TDAH e transtorno do espectro autista, mas não foram associadas aos transtornos de tiques ou às psicoses (com ou sem doença do afeto).
Ao compararem o parto normal via vaginal ao instrumentalizado, os pesquisadores não encontraram associações com os desfechos de interesse, exceto com os transtornos de tiques (OR = 1,28; IC 95%, de 1,17 a 1,41; I2 = 0,0%).
Não se deve “demonizar” a cesariana
A Dra. Tianyang citou várias possíveis razões pelas quais a cesariana pode estar associada ao aumento do risco de transtornos psiquiátricos ou do desenvolvimento neurológico.
“O parto é complicado, e existem vários fatores que podem levar a diferentes desfechos”, disse a médica.
A cesariana de urgência “geralmente ocorre quando algo dá errado durante o parto e torna-se necessário fazer uma intervenção cirúrgica”, acrescentou. “Não é impossível que uma criança sofra lesões ou asfixia em um parto traumático, que mais tarde resulte em transtornos psiquiátricos ou do desenvolvimento neurológico.”
Além disso, “os obstetras costumam indicar a cesariana quando a mãe tem doenças como diabetes, hipertensão arterial sistêmica, etc. Algumas das doenças podem já ter comprometido o desenvolvimento cerebral do bebê ainda no útero materno”, afirmou a Dra. Tianyang.
Fatores relacionados com o próprio procedimento podem aumentar ainda mais o risco.
“Por exemplo, durante um parto vaginal natural, bactérias específicas do intestino da mãe são passadas para o bebê e estimulam a sua resposta imunitária. Essa transmissão é alterada em crianças nascidas por cesariana, disse a médica.
“Acreditamos que seja uma combinação desses e de outros fatores que aumente o risco para as crianças, como a predisposição genética para transtornos neuropsiquiátricos”, acrescentou.
Portanto, enfatizou Dra. Tianyang, “seria um erro demonizar a cesariana, e esse procedimento deve continuar a ser usado quando houver indicação clínica”.
Reconsiderar as indicações?
Comentando o estudo para o Medscape, o Dr. Xiawei Ou, Ph.D., professor-adjunto de radiologia e pediatria da University of Arkansas for Medical Sciences e médico do Arkansas Children’s Hospital, disse que o mecanismo que relaciona o parto cesáreo com esses aumentos de riscos para as crianças “ainda não está claro e exige mais pesquisas”.
Ainda assim, o estudo transmite importantes mensagens para os médicos, ressaltou o Dr. Xiawei, que também é diretor do Laboratório de Neuroimagem do Arkansas Children’s Nutrition Center.
“Em vista das novas descobertas científicas deste e de outros estudos, é preciso reconsiderar a cesariana eletiva sem indicação clínica. É preciso também avaliar a relação risco-benefício da cesariana planejada com indicação clínica”, disse o Dr. Xiawe, que não participou do estudo.
A primeira autora do estudo, a Dra. Tianyang, alertou para o fato de que o estudo “não oferece uma prova irrefutável” de que as cesarianas causem transtornos do desenvolvimento neurológico.
“Associação não é causalidade”, reforçou a pesquisadora.
Fonte: Medscape
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