Sentir uma dor de cabeça e pedir para alguém ir a uma farmácia comprar um remédio não é algo que tende a soar como um problema. Mas e se for para uma criança pequena? Esse tipo de pedido virou "trend" nas redes sociais, especialmente no TikTok, onde centenas de vídeos com a brincadeira podem ser encontrados.
📱Qual é a "brincadeira"? Pais ou responsáveis pedem para crianças desempenharem coisas de adulto (como ir ao mercado ou à farmácia) e dão instruções (como pegar a chave do carro, por exemplo), depois filmam a reação.
🧸Como as crianças reagem? Os vídeos mostram que as crianças demonstram ter entendimento do pedido, mas também, em geral, parecem ter consciência de que não são capazes de desempenhá-lo. Algumas chegam a afirmar que são crianças e até perguntam se o pedido não seria perigoso.
⚠️ Especialistas ouvidos pelo g1 alertam para os riscos da trend. Renata Bento, psicóloga especialista em família, explica que isso pode ter impacto inclusive nos sentimentos das crianças:
"A criança não tem condição de se defender. Ela precisa de um adulto que vai fazer isso para ela. Quando se inverte esse papel, o que a gente percebe é que a criança fica com medo. Ela fica com medo, ansiosa, com dúvidas...".
🤔 Como mostram vídeos da trend, em muitos casos as crianças olham confusas para os adultos, como se esperassem ouvir que é uma brincadeira, algo "de mentirinha".
"A questão não é a criança fazer uma coisa de adulto. A questão que está em jogo, na verdade, é pedir para a criança algo que parece ser uma brincadeira, mas não é. É justamente você colocar a criança diante das próprias fragilidades e vulnerabilidades", complementa Renata.
Renata lembra que a criança, principalmente nessa fase, precisa de segurança e de vínculos confiáveis. E, nessa situação da trend, o que o adulto faz é exatamente o contrário: "É mostrar 'não confie em mim, porque eu brinco com os seus sentimentos'".
A brincadeira pode levantar ainda outras questões: o quanto trends expõem as crianças?
"Eu tenho uma questão com trends, com a exposição da criança nessa situação de 'o que tá acontecendo? Você tá me deixando confusa'", diz Nanda Perim, psicóloga, autora e criadora da página Psimama no Instagram.
"É tão desrespeitoso quanto uma trend de você dar susto em adultos e postar sem a permissão deles. Você deixa a pessoa confusa, perdida e usa a imagem dela para engajar em redes sociais."
Especialistas falam sobre riscos
Embora pareça menos inofensiva que a trend do palavrão, na qual a brincadeira era deixar a criança em um espaço no qual ela pudesse falar palavras "proibidas", a pegadinha do momento pode confundir a cabeça dos pequenos.
"É muito mais uma atitude que vai promover uma desregulação emocional na criança à toa", avalia Renata.
Ver um viral de redes sociais e submeter a criança ao que é proposto pela trend do momento não é a mesma coisa que brincar de "faz de conta" e simular coisas do dia a dia, como cozinhar ou limpar a casa.
"Se você chamar a criança para falar assim 'olha, imagina se eu pego a chave do carro e dou para você ir até a farmácia. É uma coisa de adulto, como você vai se sentir?' Aí a gente está falando de brincar de imaginar, você está favorecendo a criança ter imaginação", complementa Renata.
Seja qual for a brincadeira, é importante observar a reação da criança e, acima de tudo, respeitar. Será que ela se sente confortável sendo filmada e ao perceber que adultos riem?
"O desafio, na minha visão, é essa falta de permissão, o tanto que você deixa a criança confusa em qualquer uma dessas trends. No momento que a criança percebe que isso está sendo feito para as pessoas rirem da reação dela, para as pessoas rirem dela, qual é a sensação que isso passa?", questiona Nanda.
"Qual é, por exemplo, para um adulto? Simbolicamente, isso é uma humilhação, certo? Dependendo do humor, ele vai achar engraçado, vai achar divertido... Dependendo do humor, ele vai se sentir ofendido, envergonhado, humilhado... E aí que entra a parte da permissão. O que a gente está ensinando para essas crianças com relação à permissão, ao direito de imagem delas?", diz Nanda.
Fonte: G1
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