Ana Karolina Ladeira, Vanessa Mendes Sargaço, Ana Cláudia Cunha, Dominicke Marca, Jaqueline Sousa Costa, Daiane dos Santos, Regiane Cássia Amorim Ferreira e Rosana Morais Lamego. Oito vidas colocadas em risco para que milhares de pessoas fossem tratadas e curadas da COVID-19.
Oito dos mais de 30 mil profissionais de saúde infectados pelo novo coronavírus ao atuarem na linha de frente em hospitais e clínicas de testagem. Oito mulheres que, curadas, colocaram, ou ainda colocarão, seus jalecos e equipamentos de proteção para que, de volta à linha de frente do combate à infecção pelo Sars-CoV-2, possam continuar a salvar vidas.
“Jamais pensei viver um momento como este, no qual se tem medo do invisível e intocável, de um colapso, de uma perda, de um fracasso e de não ser possível auxiliar na cura. E, mesmo diante do perigo do contato direto constante com o paciente, o cuidado e a certeza de que para além de uma doença ali existe um ser humano único, que traz consigo uma história, é o que move meu coração”, afirma a enfermeira Ana Cláudia Cunha, de 30 anos.
Enfermeira neonatologista do Hospital Sofia Feldman, Ana Cláudia foi diagnosticada com COVID-19 em 26 de junho, após procurar assistência hospitalar, e orientada a ficar em isolamento domiciliar, em repouso e sob vigilância rigorosa.
Ela conta que temeu, principalmente, ter sido uma fonte transmissora. “Quando o resultado positivo saiu foi bem difícil, chorei muito, me senti incapaz e triste. Tive muito medo por pensar na possibilidade de ter transmitido a doença para colegas de trabalho, para minha família ou para outras pessoas. Mas recebi muito carinho e apoio e esse sentimento foi substituído por gratidão e certeza de que tudo terminaria bem. A fé e o amor são fundamentais no processo de cura.”
Outra funcionária do Hospital Sofia Feldman que contraiu o vírus foi a residente Ana Karolina Ladeira, de 25. A enfermeira destaca que o contágio tenha se dado nas dependências do hospital onde trabalha ou no trajeto que faz, todos os dias, até ele. “Mantinha todos os cuidados e optava por ir trabalhar de Uber para evitar contato com mais pessoas, por meio dos transportes públicos. Mas tenho contato diário com crianças, gestantes e puérperas contaminadas, o que, de certa forma, me deixava exposta.”
Ana Karolina testou positivo para a COVID-19 em 4 de junho, quando decidiu realizar exames, justamente por ser profissional da área da saúde. Naquele momento, a enfermeira apresentava sintomas leves da doença, parecidos com uma crise de sinusite. “Senti muita dor de cabeça, coriza constante, entupimento nasal e dor no corpo. Nos dias que se sucederam, observei a perda de olfato e do paladar, e falta de ar. Após oito dias, os sintomas diminuíram, o que foi um grande alívio, pois tive a certeza de que não precisaria de internação. Infelizmente, ainda sinto um pouco de falta de ar, mediante algum esforço”, diz.
A enfermeira pontua que agora, de volta ao trabalho, o medo é de se contaminar novamente. “Temos tantos profissionais se contaminando e morrendo para ajudar os pacientes doentes e as pessoas continuam nas ruas sem necessidade e sem o uso da máscara. Sinto também uma tristeza de passar por tudo isso e não termos um governo que se preocupe com a população e não busque medidas para acabar com a pandemia. Estamos abandonados e não temos previsão de quando isso tudo irá acabar.”
NEGAÇÃO
“Tive um misto de sentimentos, o primeiro deles foi o de negação. ‘Não, eu não estou doente, isso não é possível’. Mesmo com os sinais clássicos da doença, eu me recusava a acreditar, cheguei a achar que estava com amigdalite, por conta da dor de garganta, ou com uma virose, devido à febre e ao mal-estar. Mesmo depois dos exames, não acreditava que estava infectada”, relata a enfermeira da linha de frente do combate à COVID-19 no Hospital Lifecenter Jaqueline Sousa Costa, de 30.
Com o resultando apontando positivo para a doença, Jaqueline destaca que uma de suas reflexões diárias se dá no fato de não saber como se contaminou, visto que mesmo em contato direto com os pacientes infectados pela doença, todos os cuidados são tomados. “Por estarmos em uma pandemia, na qual a contaminação é feita de forma comunitária, qualquer local pode ser fonte de contágio.”
Jaqueline ficou internada e com sintomas graves, como taquicardia e febre persistente, e conta que o seu psicológico se abalou em diversos momentos, por sentir medo e culpa. “Receber o diagnóstico de uma doença que já levou a óbito milhares de pessoas no mundo inteiro, é assustador. E, não poder receber um abraço de conforto das pessoas que a gente ama doeu tanto quanto os sintomas. Além disso, tive sentimentos terríveis de possível culpa, por pensar que talvez eu pudesse ter contaminado alguém. Durante muitos dias tive crises de choro e ansiedade, que permanecem até hoje.”
TOMOGRAFIA
Daiane dos Santos, de 31, técnica de radiologia no setor de tomografia computadorizada da Clínica São Marcos, também se infectou com o novo coronavírus. “Nós, técnicos de radiologia, muitas vezes não somos reconhecidos, mas estamos sim na linha de frente do combate ao novo coronavírus, pois sem o nosso trabalho não se é possível a realização de exames em pacientes contaminados. E, exercendo esse trabalho, infelizmente me contaminei.”
Daiane conta que, apesar dos sintomas leves, a angústia se tornou presente em sua recuperação, já que seus familiares também se contaminaram, inclusive suas duas filhas, uma de 9 e a outra de apenas nove meses. Para o alívio da técnica em radiologia, ambas foram assintomáticas. “Isso me trouxe paz e tranquilidade”, diz. No primeiro dia deste mês, Daiane retornou ao trabalho.
A técnica de radiologia do Hospital São Lucas Regiane Cássia Amorim Ferreira, de 38, teve os primeiros sintomas em 12 de junho: fortes dores abdominais. Foi quando se submeteu ao exame. Ela conta que foi um período muito difícil, com bastante coriza, falta de ar, dor de cabeça, dor nos olhos, diarreia e febre. Além dos sintomas, o psicológico dela também foi afetado. “Não pude ver minha mãe, que é idosa, e o restante da minha família. Coloquei todos os que moram comigo em risco. Meu marido e meus dois filhos também foram contaminados. Tomei todos os cuidados necessários, mas o medo e a preocupação estiveram presentes, e a incerteza do futuro causou grande desespero.”
EM RISCO
Rosana Morais Lamego, de 43, é médica hematologista na Santa Casa BH, no setor de transplantes, e mesmo não atuando no combate à COVID-19 de forma direta, assume papel importante na manutenção de tratamentos para pacientes considerados do grupo de risco.
“Testei positivo assintomática em 12 de maio, e a partir disso o mais difícil foi a logística quanto a me organizar sobre o meu isolamento total e da minha funcionária, que também testou positivo. Decidimos ficar todos juntos. Meus filhos já estavam sentindo falta, e me perguntaram até se eu ia morrer. A partir dessa decisão me senti mais aliviada. Não saber o que fazer foi pior do que a notícia da infecção.”
Vanessa Mendes Sargaço, de 26, médica e residente R1 de obstétrica e ginecologia no Hospital da Mulher, em São Paulo, conta que teve sintomas leves e por ter testado positivo para o Sars-CoV-2 precisou ficar em isolamento. “Foram 15 dias sozinha e sem nenhum contato. Como médicos, temos muito contato com as pessoas, então sempre estamos na presença de alguém e ficar isolada traz um sentimento de impotência e solidão.”
Dominicke Marca, de 31, fisioterapeuta intensivista, hoje especialista de produtos médicos em Sorocaba, interior de São Paulo, testou positivo para o COVID-19 em 5 de maio, após estar exposta, constantemente, devido ao fornecimento de respiradores para os hospitais. “Tive muito medo de contaminar, principalmente, minha mãe. Saí apenas uma vez durante o isolamento para fazer tomografia. Eu tinha medo de encostar nas coisas, e a todo momento falava que estava positiva para que ninguém encostasse em mim. Isso foi horrível. Ainda tenho algumas sequelas, e me sinto muito cansada”, diz.
Fonte: Estado de Minas
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