Cada vez mais tem se buscado melhorar a assistência ao paciente com câncer. Segundo Melissa Chin, diretora executiva da Multinational Association for Supportive Care in Cancer (MASCC), isso significa prevenir e gerenciar eventos adversos relacionados com a doença e com o tratamento oncológico, bem como manejar sintomas físicos e psicológicos desde o diagnóstico até após o tratamento. Busca-se ainda melhorar a reabilitação, a prevenção secundária do câncer, a sobrevivência e o fim da vida.
A especialista e colegas discutiram questões relacionadas com o cuidado de suporte do paciente oncológico, incluindo o gerenciamento da toxicidade da quimioterapia, durante o XXI Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, realizado no final de outubro no Rio de Janeiro.
Quimioterapia: náuseas e vômitos
O percentual de pacientes em tratamento quimioterápico que apresenta êmese é, em geral, subestimado. Os pacientes acham que “náuseas e vômitos fazem parte da terapia, e acreditam que precisam aguentar, mas não é assim. Os pacientes precisam reportar esses sintomas para que possamos atuar sobre eles”, destacou durante palestra o médico Dr. Matti Aapro, membro da European Society of Medical Oncology (ESMO) e ex-presidente da Multinational Association for Supportive Care in Cancer (MASCC).
As estratégias para controlar êmeses evoluíram ao longo do tempo e, atualmente, há uma grande variedade de antieméticos, com diferenças inclusive entre as classes terapêuticas disponíveis. O médico afirmou que as diretrizes da MASCC e da ESMO [1] para prevenção de náuseas e vômitos causados por quimio ou radioterapia em pacientes com câncer avançado orientam que pessoas com alto risco emético (que estejam tomando antraciclina + ciclofosfamida ou outra estratégia quimioterápica) usem uma combinação de antagonistas dos receptores de serotonina (5-HT3 RAS), dexametasona e antagonistas dos receptores de neurocinina (NK1 RAS). Caso o paciente esteja em uso de carboplatina, o esquema terapêutico (5-HT3 RAS + dexametasona + NK1 RAS) também é indicado. Para aqueles com risco emético moderado (que não estão em uso de carboplatina), os especialistas orientam administrar apenas 5-HT3 RAS + dexametasona. Já no grupo de baixo risco é possível optar por uma classe: 5-HT3 RAS ou dexametasona ou antagonista do receptor de dopamina.
As diretrizes trazem ainda orientações para pacientes com êmese retardada. Nesse contexto, embora os antagonistas dos receptores de serotonina ou de neurocinina não façam parte das recomendações, a metoclopramida e o aprepitanto passam a ser opções terapêuticas. O número de medicamentos e a combinação ou não de classes farmacológicas também varia de acordo com o risco emético e o tipo de quimioterápico utilizado.
Apesar da variedade de estratégias antieméticas, a êmese ainda não é controlada de forma adequada nos pacientes. Para o Dr. Matti, a falta de adesão ao tratamento e o desconhecimento dos médicos sobre das diretrizes são alguns dos fatores que contribuem para esse cenário.
Mucosite induzida por quimio e radioterapia
A quimio e a radioterapia também podem causar mucosite. Segundo o dentista Dr. Rajesh Lalla, Ph.D., presidente da MASCC e professor da University of Connecticut School of Dental Medicine, nos Estados Unidos, afirmou durante o evento, a incidência e a gravidade das lesões dependem do tipo de quimioterápico e da dose, porém, o problema afeta cerca de 20% dos pacientes que fazem quimioterapia para tumores sólidos e até 80% dos que recebem altas doses de quimioterápicos antes do transplante de células-tronco hematopoiéticas. Além disso, a mucosite afeta quase 100% dos pacientes que recebem radioterapia durante o tratamento do câncer de cabeça e pescoço.
A mucosite causa dor, compromete a capacidade de nutrição e a qualidade de vida, tem impacto na oncológica, pode funcionar como porta para infecção sistêmica e aumenta o custo do tratamento.
Segundo o Dr. Rajesh, o tratamento da mucosite envolve anestésicos tópicos (enxaguante com lidocaína), analgésicos sistêmicos (opioides), enxagues com bicarbonato de sódio em água e higiene oral.
Em julho, a MASCC e a International Society of Oral Oncology (ISOO) publicaram a atualização das diretrizes para o tratamento da mucosite. De acordo com as recomendações, o enxaguante bucal com clorexidina não deve ser usado como método de prevenção em pacientes submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço; em contrapartida, o enxaguante de benzidamina é indicado para prevenir o quadro em pacientes com essa neoplasia recebendo dose moderada de radioterapia.
Para sujeitos que receberão transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), quando submetidos à terapia com melfalano, a crioterapia é recomendada, enquanto os que recebem regimes com altas doses de quimioterapia e irradiação por todo o corpo podem se beneficiar do fator de crescimento de queratinócito (KGF-1, em inglês) intravenoso.
A fotobiomodulação intraoral usando laser de baixa intensidade também é recomendada para pacientes que receberão TCTH sob regime de quimioterapia de alta dose, com ou sem irradiação total do corpo. Entre as opções naturais, o mel aparece como sugestão para prevenção de mucosite em pacientes com câncer de cabeça e pescoço tratados tanto com radioterapia como com radioquimioterapia. Embora existam outras estratégias naturais populares, tal como o chá de camomila, o Dr. Rajesh explicou que faltam estudos para que essas alternativas possam ser recomendadas em diretrizes. “Como o uso de produtos naturais não traz lucro, eles não são amplamente estudados. Quando pesquisas são conduzidas, elas acabam sendo restritas a poucos centros, o que é insuficiente para estabelecer evidência científica”, afirmou o dentista durante o debate com a plateia.
O especialista lembrou ainda da importância de ir ao dentista antes de iniciar o tratamento oncológico em casos de tratamento com radiação de cabeça e pescoço ou com bisfosfonato endovenoso (mioeloma múltiplo ou neoplasia com metástase óssea) devido ao risco de osteonecrose maxilar.
“Mesmo que o paciente já tenha iniciado o tratamento oncológico, recomendamos que vá ao dentista antes de o uso do bifosfonato se estender por anos”, disse.
Toxicidade de imunoterapias
Para o Dr. Rodrigo Guedes, oncologista clínico da Clínica AMO – Assistência Multidisciplinar em Oncologia, na Bahia, a hiperativação do sistema imune pode levar a eventos adversos, por exemplo, alteração endócrina (hipofisite, tireoidite, diabetes tipo 1), respiratória (pneumonia), gastrointestinal (colite/diarreia), neuromuscular (neuropatia sensorial periférica), dermatológica (erupção cutânea, maculopapular prurido), renal (insuficiência renal) e hepática (hepatite autoimune, aumento de alanina aminotransferase – ALT/aspartato aminotransferase – AST).
Quando o paciente em imunoterapia apresentar um novo sintoma ou o agravamento de algum sintoma pré-existente, pontuou o médico, é importante sempre considerar a toxicidade imune como uma possibilidade.
Comparando os imunoterápicos, os anti-CTLA-4 são mais tóxicos do que os anti-PD-1, com eventos adversos comuns (erupção cutânea, prurido, febre, calafrios, letargia, diarreia/colite) ocorrendo em mais de 20% dos pacientes. Os eventos ocasionais (hepatite/elevação de enzimas hepáticas e endocrinopatias) surgem em 3% a 20% dos indivíduos. Já o evento adverso grau 5 (morte) ocorre em menos de 1% dos pacientes. [2,3]
Embora a toxicidade dos anti-PD-1 seja menor do que a dos anti-CTLA-4, os eventos adversos podem ser fatais. A maioria dos eventos ocorre nas primeiras 24 semanas, mas, segundo o Dr. Rodrigo, “eles podem ser tardios e ter melhora lenta, o que exige vigilância prolongada. Os eventos ocasionais ocorrem entre 5% e 20% dos pacientes, enquanto os raros (pneumonite, anemia) ocorrem em menos de 5%“. [4]
Ao comparar o anti-PD-1 com o anti-PD-L1, o último apresenta menor toxicidade, mas, segundo o oncologista, a taxa de eventos adversos não é desprezível.
Um estudo mostrou que o intervalo mediano para eventos adversos imunorrelacionados após a descontinuação da imunoterapia é de seis meses (variando de 3 a 28 meses). [5]
“É importante o acompanhamento em longo prazo, e a alta suspeição para evento adverso imunorrelacionado“, destacou o especialista.
O Dr. Rodrigo afirmou que os médicos não devem ter medo de utilizar corticosteroide, pois a literatura mostra que o uso de imunossupressor para tratamento de eventos adversos imunorrelacionados não afeta a eficácia da imunoterapia. No entanto, ele lembrou algumas considerações que devem ser feitas antes e durante o uso dessa medicação: profilaxia da estrongiloidíase disseminada, protetor gástrico, prevenção de pneumocistose, alerta para retenção hídrica, atenção para hiperglicemia, miopatia proximal e alterações de humor.
Já existem recomendações nacionais desenvolvidas pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) para o manejo de toxicidades imunomediadas associadas ao uso de bloqueadores de correceptores imunes. [6]
Tecnologia associada ao cuidado de suporte
A Dra. Alessandra Morelle, oncologista do Rio Grande do Sul, é cofundadora de uma startup que desenvolveu o TUMMI, um aplicativo que permite acompanhar o paciente oncológico à distância diariamente e em tempo real, identificando antecipadamente potenciais alertas de risco que devem ser avaliados imediatamente.
Os pacientes têm acesso gratuito ao aplicativo no qual podem manter um diário, registrando os eventos cotidianos, e as informações inseridas podem ser compartilhadas com o médico assistente em formato de relatório. É possível registrar medicamentos, compromissos e ativar lembretes. Ao final do registro do diário, o aplicativo apresenta recomendações para amenizar os efeitos adversos. Em caso de sintoma grave, o paciente é orientado a procurar um serviço médico e o plantonista recebe uma notificação de alerta.
“Com o aplicativo, percebemos que os pacientes acabam procurando menos o serviço de saúde por questões desnecessárias e, por outro lado, o atendimento é mais rápido quando o evento é grave“, destacou a médica.
O Dr. Thiago Jorge, oncologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, defendeu que, hoje em dia, a inteligência artificial já é comparável e até mesmo superior aos médicos em alguns aspectos, por exemplo, na classificação de lesões de pele provenientes de biópsias. [7]
“Os robôs não perdem performance, mas os médicos e enfermeiros sim”, disse o especialista, mencionando dados de uma pesquisa que mostra que o paciente atendido quando o médico está atrasado ou no final do plantão tem mais chances de receber prescrição de opioide. [8]
Em contrapartida, o Dr. Nivaldo Farias Vieira, hematologista e oncologista da CLINRADI e da OncoHematos, em Sergipe, defendeu a slow medicine, que busca resgatar o tempo dedicado ao paciente.
“Sempre haverá espaço para as relações humanas, não precisamos ter medo das máquinas. Qual robô conseguirá trazer entusiasmo e compaixão para o paciente? Qual máquina será capaz de dar suporte à angústia, raiva, frustração e alegria?”, destacou.
Para o especialista, as máquinas precisam de profissionais cada vez melhores, mais competentes, para traduzir as necessidades dos pacientes. “Se os robôs conseguirem fazer algumas tarefas melhor que o homem, se, por exemplo, conseguirem produzir laudos melhores, que façam; os robôs serão nossos assistentes”, concluiu o Dr. Nivaldo.
Fonte: Medscape
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