As pessoas com parentes de primeiro grau (pais, irmãos ou filhos) com câncer hematológico têm mais chances de serem diagnosticadas com a doença, e esse risco é maior para alguns tumores sólidos.
Um novo estudo, descrito pelos autores como o maior e mais abrangente até o momento, descobriu uma ligação familiar em 4,1% de todos os diagnósticos de câncer hematológico estudados.
Esse percentual é superior ao do câncer do sistema nervoso central (1,8%), renal (2,8%) e de pâncreas (3%), mas é inferior aos de câncer de mama (8,5%), colorretal (10,1%) e próstata (15,3%).
“Esperamos que esses dados robustos sejam usados para nortear as diretrizes sobre testes genéticos e exames de rastreamento. Certamente existem diversas pessoas, como aquelas com um parente diagnosticado ainda jovem e/ou com mais de um parente de primeiro grau atingido pela doença, para as quais o aconselhamento e testes genéticos e o monitoramento podem ser indicados”, disse o Dr. Amit Sud, Ph.D., primeiro autor do estudo e pesquisador do Institute of Cancer Research London, no Reino Unido.
“Conversando com vários médicos, de todas as partes do Reino Unido, muitos relatam casos de pacientes que têm o mesmo tipo, ou um tipo semelhante, de neoplasia hematológica que outro membro da família, mas sempre foi difícil saber se isso é ou não um mero acaso”, disse ao Medscape o Dr. Amit.
“Portanto, ficamos um pouco surpresos ao descobrir que existem tumores que acreditamos ser originários de diferentes linhagens do sistema hematopoiético, mas, na verdade, nossos resultados indicam que esses tumores têm fatores etiológicos em comum, e essa informação aumenta o nosso conhecimento acerca das causas das neoplasias hematológicas, bem como de uma possível predisposição hereditária para esses tipos de câncer”, acrescentou.
Dr. Amit e colaboradores usaram o banco de dados sueco Swedish Family-Cancer Database para estimar o risco relativo familiar das principais neoplasias hematológicas em mais de 16,1 milhões de pessoas.
“Analisamos todos os casos de neoplasias hematológicas diagnosticadas entre 1958 e 2015”, explicaram os pesquisadores.
Dessa grande coorte, 153.115 pacientes tiveram neoplasia hematológica primária entre o início e o término do estudo.
“Quase todas as neoplasias hematológicas apresentaram aumento estatisticamente significativo de risco familiar do mesmo tipo de tumor”, afirmaram os autores do estudo.
A seguir, a equipe calculou o risco relativo familiar de cada neoplasia hematológica calculando a razão padronizada de incidência (do inglês, Standardized Incidence Ratio) dos 391.131 parentes de primeiro grau desses pacientes.
O risco relativo familiar de parentes de primeiro grau desenvolverem a mesma neoplasia foi uma vez e meia maior para leucemia mieloide aguda; 6,8 vezes maior de trombocitemia essencial; 6,9 vezes maior de síndrome mielodisplásica; e 7,7 vezes maior de policitemia vera.
Quanto aos tumores de células B, o risco relativo familiar duplicou no caso de linfoma difuso de grandes células B, linfoma folicular e mieloma múltiplo.
O risco relativo familiar de leucemia linfocítica crônica aumentou 5,6 vezes; 8,3 vezes de leucemia de células pilosas; 9,8 vezes de linfoma de Hodgkin, subtipo esclerose nodular; 13,3 vezes de linfoma de células do manto, 15,8 vezes de linfoma linfoplasmocítico/macroglobulinemia de Waldenström; e 16,7 vezes de linfoma de Hodgkin, subtipo celularidade mista.
Segundo os pesquisadores, riscos relativos familiares mais altos tendiam a ser específicos para determinadas doenças.
Entretanto, foram identificados também padrões distintos de risco familiar – predominantemente para linhagens celulares específicas.
Por exemplo, a leucemia linfocítica crônica compartilhou seu risco familiar com quase todos os tumores de células B, disseram os pesquisadores.
Foram identificados riscos familiares também de linhagens celulares como linfoma de Hodgkin, linfoma difuso de grandes células B, linfoma de células do manto, leucemia linfocítica crônica e mieloma múltiplo, todos os quais compartilhavam risco de diversas neoplasias mieloides, salientaram os autores.
Risco cumulativo durante a vida
Na população sueca em geral, o risco cumulativo de todas as neoplasias hematológicas primárias, de linfoma não Hodgkin e de leucemia linfocítica crônica durante a vida foi de 3,4%, 1,3% e 0,4%, respectivamente.
Esse risco aumentou significativamente entre os parentes de primeiro grau de pacientes diagnosticados com os mesmos três tipos de neoplasias, subindo para 4,3%, 2,2% e 2,3%, respectivamente.
Entretanto, no caso de pacientes com dois ou mais parentes de primeiro grau atingidos por todas as neoplasias hematológicas primárias, o alto risco cumulativo foi de 7,4%, disseram os pesquisadores.
O mesmo padrão de maior risco quando dois ou mais parentes de primeiro grau tinham a doença foi observado também em relação a diferentes neoplasias hematológicas.
Tabela. Risco cumulativo baseado no número de parentes de primeiro grau com a doença População geral1 parente de primeiro grau com a doença>2 parentes de primeiro grau com a doençaLinfoma não Hodgkin1,3%2,1%2,4%Leucemia linfocítica crônica0,4%2,1%8,6%Neoplasias mieloides0,7%1,4%4,4%Neoplasia mieloproliferativa0,3%1,2%3,2%
Dr. Amit e colaboradores disseram que, embora os riscos relativos familiares associados a neoplasias hematológicas sejam altos em relação aos associados a alguns tumores sólidos, o risco absoluto de ter uma neoplasia hematológica durante a vida, mesmo entre parentes de primeiro grau, geralmente é baixíssimo.
“Por exemplo, como o risco de leucemia linfocítica crônica da população durante a vida é de apenas 0,4%, o risco relativo familiar de um parente de primeiro grau ter a doença é de 2,2%”, afirmaram os pesquisadores.
Implicações para o rastreamento
Esse baixo nível de risco, mesmo entre parentes de primeiro grau, tem implicações para o rastreamento, disse o Dr. Amit.
Em primeiro lugar, como explicou o médico, o rastreamento só é útil quando existe um exame confiável para a detecção de determinada doença.
Os médicos também precisam ter algum tratamento eficaz a oferecer caso os pacientes sejam diagnosticados em um estágio mais precoce da doença pelos exames de rastreamento.
A doença também precisa ser razoavelmente comum na população para que um programa de rastreamento seja útil, observou o Dr. Amit.
“Se aplicarmos esses princípios às neoplasias hematológicas, muitas não serão detectadas pelos exames, por serem raras”, enfatizou o pesquisador.
Uma exceção a esta regra talvez sejam os pacientes diagnosticados com leucemia linfocítica crônica.
“A linfocitose monoclonal de células B, precursora da leucemia linfocítica crônica, ocorre em 3% a 4% dos adultos com mais de 40 anos de idade e em 14% a 18% de parentes de primeiro grau de pacientes com leucemia linfocítica crônica”, explica o autor.
Isso pode tornar importante o rastreamento nesse grupo de pacientes em particular, sugeriu Dr. Amit.
Saber qual é o risco cumulativo de ter várias neoplasias hematológicas durante a vida pode ser útil para os pacientes, acrescentou.
“Sempre encontramos pacientes que têm algum parente de primeiro grau com uma neoplasia hematológica, e a pergunta que fazem é: ‘Quais são as minhas chances?'”, disse o Dr. Amit.
“Portanto, é bom poder consultar esse estudo e dizer: este é o seu risco de ter essa neoplasia ao longo da vida.”
Este estudo recebeu apoio do Deutsche Krebshilfe, Vetenskapsrådet, Region Skåne e Bloodwise. Os autores do estudo informaram não ter conflitos de interesses.
Blood. Publicado on-line em 08 de agosto de 2019. Abstract
Fonte: Medscape
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