A pandemia da Covid-19 mudou o comportamento das pessoas e, principalmente, a forma de sentir. A medicina nunca esteve tão em evidência e os médicos carregam uma responsabilidade tão grande que, talvez, só não seja maior que a da paternidade. Ser médico e pai durante a pandemia provoca uma sensação de insegurança e medo, principalmente, ao considerar que o novo coronavírus é um inimigo invisível.
Sempre tive o desejo de ser pai e atribuo isso, em parte, ao exemplo de dedicação do meu pai aos filhos e pela vontade de ter um "pedacinho de mim" crescendo e evoluindo.
Desde o início da pandemia, me preocupei em reduzir a exposição da minha família ao vírus. Meus pais, por exemplo, são grupo de risco e, desde março, não retornei à minha cidade natal para vê-los.
Antes da pandemia, meu filho João Gabriel, 5, tinha o hábito de correr para me abraçar, quando chegava em casa. Hoje, de certa forma, chego escondido, seguindo direto ao banheiro para evitar contaminação. Sabemos que a alegria do filho ao ver o pai chegando em casa é uma coisa que não dá para conter, não há coronavírus ou medida de contenção que resista.
Sabemos também que, em tempo de pandemia, as crianças são as que mais sofrem. Ficar em casa é como manter um passarinho preso na gaiola. Inicialmente, explicamos o que é o coronavírus, o porquê das máscaras e do álcool em gel, como lavar as mãos etc. Contudo, percebemos que era preciso reduzir o sofrimento dele, pois de uma hora para outra, foi privado do convívio dos coleguinhas, das atividades esportivas que ama, da liberdade de correr e brincar ao ar livre.
Quando todas as consultas e cirurgias eletivas foram canceladas, de certa forma, ajudou a amenizar o peso do isolamento do meu filho. As lágrimas que rolavam devido a reclusão deram espaço à alegria e euforia de ter o pai mais tempo em casa. Demos prioridade às brincadeiras.
Levamos nosso filho para correr, brincar próximo a uma igreja, já que não havia quase ninguém lá. Ele corria, andava de bicicleta, brincava de pegador. Já tínhamos o hábito de frequentar o local, que ele chama de "Igreja do Bosque", mas naquele momento era diferente. Era liberdade.
Num dado momento, assim que chegamos e preparávamos a bicicleta para ele começar a alçar voo, espontaneamente, se pôs diante da porta da igreja, juntou as mãozinhas em posição de oração e respeito e fez sua breve, mas sincera oração: "Papai e Mãezinha do Céu, acaba com o coronavírus, em nome de Jesus".
Ser pai é sentir a emoção de ver o filho vencer cada desafio que se impõe a sua frente para cada idade, como os primeiros passos, escalar o berço e pular para fora, enfrentar os primeiros dias de aula e vê-lo amar a escola, o aprendizado que cresce exponencialmente. Há, também, o desafio da obrigação de dar o adequado exemplo aos filhos. A partir desse ponto, começamos a deixar o nosso maior legado para a sociedade. Não existe maior herança que possamos passar aos filhos que torná-los pessoas de bem, de caráter.
Ser médico em tempos de pandemia também é se emocionar com cada história de superação dos pacientes, preocupando-se em manter a família à salvo e usar a criatividade para viver em dois mundos tão distintos e, ao mesmo tempo, tão iguais. Cada paciente é um pai, um filho, uma filha, uma mãe e ser responsável por essa vida também nos faz um pouco "pais" dessas pessoas.
Fonte: O Tempo
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