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Técnica que 'reviveu' lobos extintos é a mesma que já salva vida em transplantes, diz brasileira especialista em genética



Mais do que questionar se os três filhotes apresentados pela empresa de biotecnologia Colossal Biosciences são realmente lobos-terríveis ou não, a preocupação da cientista que é referência no estudo de genética no Brasil, Mayana Zatz, é bem mais técnica:


Por que utilizar essa tecnologia para a desextinção de espécies quando ela é capaz de salvar vidas?

Na segunda-feira (7), a companhia anunciou o retorno da espécie extinta há mais de 10 mil anos. Segundo a Colossal, os animais foram gerados por meio da edição genética de lobos-cinzentos modernos com variantes genéticas obtidas em fósseis antigos.

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Em entrevista ao g1, a geneticista afirmou que, até certo ponto, o processo de trazer de volta animais extintos é um desafio tecnológico, mas que as técnicas, já conhecidas, poderiam ser utilizadas para outras finalidades.


"Se a gente tivesse recursos infinitos, a gente até poderia gastar nisso. Acho que a prioridade deveria ser curar doenças, e não reviver animais extintos", defende.

Bióloga molecular, Zatz é uma das pioneiras no estudo do genoma humano no Brasil e em pesquisas com células-tronco. Atualmente, ela também coordena o projeto Produção Nacional de Suínos Voltados para o Xenotransplante, processo que utiliza boa parte das técnicas envolvidas na desextinção.


Assim como a geneticista, boa parte da comunidade científica questiona a finalidade e até mesmo a veracidade de projetos com o da Colossal Biosciences, focados em trazer de volta animais que não existem mais.


"Hoje a gente domina a tecnologia para fazer isso e cada vez vai conseguir fazer mais. Mas a questão é, para que fazer? Por que fazer?", questiona Zatz.


Xenotransplante e desextinção


A geneticista explica que diversos desenvolvimentos do ponto de vista científico e tecnológico no campo da genética é o que permitem que, atualmente, um animal seja desextinto.

👉Nos últimos anos, os menos quatro revoluções transformaram os estudos nessa área:


  • Clonagem da ovelha Dolly - primeiro caso de clonagem de um animal, feito a partir de uma célula extraída da glândula mamária de outra ovelha. Revolucionou as pesquisas sobre células tronco.

  • Sequenciamento genético humano - sequenciamento do genoma humano, que é formado por cerca de 6 bilhões de bases representadas por letras.

  • Descoberta das células iPS - células adultas reprogramadas para rejuvenescer e recuperar as propriedades das células-tronco embrionárias. A descoberta foi premiada com o Nobel de Medicina de 2021.

  • Edição gênica (Cripr) - prêmio Nobel de Química de 2022, a técnica é uma espécia de "tesoura genética", que permite à ciência mudar parte do código genético de uma célula.


"Do ponto de vista técnico, eles [a Colossal] conseguiram resgatar o material técnico de 10 mil anos atrás, sequenciaram e comparam com um lobo atual. A partir disso, alteraram os genes diferentes por meio da edição gênica", analisa Zatz.


Segundo a empresa, o processo envolveu a implantação dos núcleos editados em óvulos desnucleados, gerando embriões que foram gestados por cadelas mestiças saudáveis e de grande porte.


A geneticista explica que esse processo é muito semelhante ao utilizado nos xenotransplantes.

➡️O xenotransplante é a troca de órgãos entre espécies diferentes. Atualmente, diversos centros de pesquisa no mundo investigam e testam o uso de porcos geneticamente modificados como origem para os órgãos que serão transplantados.


"No xenotransplante, alteramos as células dos suínos para possibilitar a doação de órgãos dos animais para seres humanos. Nesse caso, alteramos os genes que causam rejeição para produzir suínos com órgãos que podem ser transplantados", detalha Zatz.

Polêmicas da desextinção


Além dos questionamentos científicos, como a ausência da publicação dos estudos em revistas científicas e a falta da revisão por cientistas independentes, a desextinção também levanta um debate ético.


Zatz lembra que, muito provavelmente os animais não vão ser soltos na natureza, vão permancer confinados. Além disso, ela comenta que é muito difícil saber qual seria o possível impacto e até o comportamento desses animais no meio ambiente atual.


"Uma coisa fundamental que existe na natureza é o equilíbrio entre uma espécie e outra. Por que será que esses lobos foram extintos? Por causa da alimentação? Porque eram predados por outros animais?", questiona.

Outros especialistas levantam dúvidas também sobre o feito anunciado.


Corey Bradshaw, professor de Ecologia Global da Universidade Flinders, na Austrália, afirmou em entrevista à Reuters que o animal apresentado pela empresa não pode ser classificado como um lobo-terrível verdadeiro, mas apenas um lobo-cinzento levemente modificado.


"Essas modificações parecem ter sido derivadas do material genético recuperado do lobo terrível. Isso faz deles lobos terríveis? Não. Faz deles lobos-cinzentos ligeiramente modificados? Sim", disse Bradshaw.

Bradshaw também lembrou que a degradação natural do DNA em fósseis impossibilita atualmente reconstruir completamente o genoma de animais extintos há milhares de anos, o que limita as possibilidades reais da chamada "desextinção".


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Em entrevista à BBC News, o paleogeneticista Nic Rawlence, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, classifica os animais como um "híbrido" entre as duas espécies de lobo.


O pesquisador lembra que o lobo-terrível divergiu do lobo-cinzento entre 2,5 milhão a 6 milhões de anos atrás. "O lobo-terrível está em um gênero completamente diferente dos lobos cinzentos", argumenta o especialista.

Fonte: G1


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