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Vegetais e água, as principais rotas da toxoplasmose

A toxoplasmose foi motivo de preocupação no Brasil em 2019 por causa dos quatro surtos que ocorreram em São Paulo, [1,2] mas uma revisão de literatura [3] mostra que o país se destaca pela quantidade de relatos e o grande número de pessoas afetadas: o Brasil responde por 35,3% de todos os surtos notificados nos últimos 50 anos no mundo. Têm um peso importante neste montante o surto em Santa Isabel do Ivaí, no Paraná, que atingiu mais de 400 pessoas em 2001, e o maior surto registrado até o momento, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que afetou mais de 900 pessoas.

O que a análise da literatura também revelou aos pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), foi que, embora os surtos provocados por oocistos de Toxoplasma gondii tenham ocorrido em taxas semelhantes aos causados por cistos do protozoário, os primeiros afetaram mais pessoas. E, segundo relatam no periódico Emerging Infectious Diseases, esta é a forma de infecção que predomina atualmente.

Nas décadas de 60 e de 90, os casos de toxoplasmose ocorreram principalmente por ingestão de cistos em carnes e derivados, na década de 80, por cistos no leite. Todavia, nos anos 2000, a doença foi causada principalmente devido à presença de oocistos na água, na areia e no solo. Em 2010, começou a década dos oocistos em frutas e legumes crus.

Fontes

“Nos últimos 20 anos, o consumo de alimentos saudáveis, como vegetais, aumentou. E há cada vez mais notificações de casos de toxoplasmose relacionados com o consumo de hortaliças, geralmente contaminadas nas etapas de produção (plantio, colheita, transporte e distribuição), mas também durante o processamento e consumo”, disseram os pesquisadores.

Em 2009, foram notificados 11 casos de toxoplasmose aguda em uma fábrica no estado de São Paulo, sendo a ingestão de vegetais a principal suspeita de rota de transmissão. Em 2013, 73 casos no município de Ponta de Pedras, no Pará, onde o açaí proveniente de uma outra região foi considerado nas notificações como provável fonte. [3] A contaminação de vegetais é a principal suspeita para os 47 casos ocorridos em um restaurante de comida árabe do bairro paulistano de Pinheiros, assim como dos 35 casos registrados no mesmo mês em uma festa infantil na qual serviram churrasco em um condomínio na cidade de Bragança Paulista. [1]

“A contaminação da água potável foi responsável pelo maior surto de toxoplasmose descrito, mas quando utilizada na irrigação, serve como rota de contaminação de hortaliças e frutas”, alertam os autores. “Sugerimos que seja dada maior atenção à desinfecção de hortaliças, bem como à qualidade da água utilizada para beber e para irrigação.”

“Estudar um surto de toxoplasmose é muito difícil. Se for alimentar, mais difícil ainda, pois o alimento foi ingerido dias antes, e a fonte nunca vai ser achada; portanto, as causas são quase sempre especulativas”, alertou Heitor Franco de Andrade Junior, professor associado do Departamento de Patologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que não participou da pesquisa, mas acumula décadas de experiência em toxoplasmose como chefe do laboratório de protozoologia do Instituto de Medicina Tropical (IMTSP).

Surtos em São Paulo

Em maio de 2019, a toxoplasmose chegou a ser notícia na imprensa depois que circularam nas redes sociais diversos relatos de consumidores que teriam contraído toxoplasmose em um bar e restaurante em São Paulo. Um relato viralizou no WhatsApp, de uma pessoa chamada Gustavo, que teria tido febre por 15 dias. Ao buscar atendimento médico, e receber o diagnóstico de toxoplasmose, o homem teria sido informado por um oftalmologista que ele não era o único a apresentar o quadro. O que de início parecia um boato, tomou proporções maiores. [4]

A notificação de casos de toxoplasmose é compulsória apenas em gestantes e recém-nascidos, mas também se houver suspeita de surto. E, desde janeiro, a Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmitidas por Alimentos da prefeitura, do Ministério da Saúde de São Paulo, já havia tomado conhecimento sobre o aumento do número de casos de toxoplasmose aguda. E, desde março, foi notificada sobre o aumento de resultados positivos para toxoplasmose, especialmente de laboratórios privados. Por isso, no final de março, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (COVISA), determinou que as notificações dos casos de toxoplasmose aguda fossem feitas por meio dos formulários eletrônicos da Plataforma DATASUS (FormSUS). [5]

“Os surtos têm vários problemas, um deles é o pânico coletivo”, disse o professor. “A incidência está caindo, o que aumenta o número de suscetíveis, e isso favorece os surtos; mas não devem gerar pânico, porque não é um parasita que mata.”

Questionado sobre o aumento dos resultados positivos, o Dr. Heitor ironizou que, “se depender dos testes laboratoriais, o surto nunca acaba”. Segundo ele, sempre vão haver resultados positivos, porque o teste sorológico é muito sensível, “é feito para não perder nenhuma gestante com risco de toxoplasmose, além disso, de 3% a 4% são falsos positivos.”

“Faz 15 anos que estou procurando saber a real incidência da toxoplasmose”, disse Heitor ao Medscape. “A interpretação da sorologia para o toxoplasma é particularmente desafiadora, mas a prova de avidez de IgG ajuda a definir o momento em que sucedeu a toxoplasmose: avidez < 30% indica processo infeccioso recente. No passado, a incidência era de 60% na população mundial, porque havia fabricação doméstica do alimento. Agora os dados indicam uma incidência de 8,5% em crianças de até 12 anos”, diz ele, citando uma pesquisa realizada em São Paulo, e já aceita para publicação em uma revista internacional.

O professor recomendou que “os obstetras estejam em alerta, porque os surtos vão ser esporádicos, mas podem colocar as gestantes em risco”. Ele também destacou que, além de favorecer os surtos, a queda da incidência poderia ter outra consequência: “Há um momento, quando a incidência está entre 1% e 3%, que deve-se esperar um pico de casos de toxoplasmose congênita, pois as mulheres ficam susceptíveis em um período em que ainda há transmissão.”

Os esforços governamentais de prevenção da toxoplasmose frequentemente se concentram em reduzir as infecções congênitas, no entanto, com a ocorrência de surtos em pessoas imunocompetentes, os autores da publicação sugerem que o controle de infecção e a educação em saúde também sejam direcionados para o resto da população. A alimentação orgânica, por exemplo, é uma nova porta de entrada para a toxoplasmose “e muitas outras”, frisou o pesquisador.

Mesmo assim, ele se diz confiante: “É um parasita que conhecemos muito bem, não é um bicho-de-sete-cabeças. Tem possibilidade de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento. Precisamos saber orientar as gestantes, cuidar de quem não tem a doença e tratar os pacientes com sintomas segundo os algoritmos. A toxoplasmose aguda também causa alterações de comportamento, o paciente pode ficar eufórico, brigar mais e perder eficiência em suas decisões lógicas, então eu recomendo que após uma toxoplasmose aguda não faça negócios por seis meses. Mas o protozoário é um problema que um dia vamos eliminar.”

Fonte: Medscape

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