Os medicamentos anti-obesidade, como o popular Ozempic e alternativas como Mounjaro e Wegovy, têm conquistado cada vez mais o público brasileiro ao apresentar rápidos resultados na luta contra a balança. Usuários dos medicamentos, no entanto, enfrentam dificuldades para manter o peso perdido e os hábitos alimentares após interromperem o uso dos remédios que atuam no organismo inibindo a sensação de apetite.
A arquiteta Ellen Machado, 32 anos, conta que no final de sua adolescência começou a apresentar transtornos emocionais e, para lidar com isso, iniciou um tratamento com antidepressivos, que resultaram em um aumento no seu apetite e desaceleração no metabolismo do corpo. Desde então, a soma desses fatores desencadeou o início de uma jornada contra o peso que é travada até hoje.
— Eu vivi nesse efeito sanfona de engorda, emagrece, praticamente minha vida adulta inteira — diz a arquiteta.
Mas foi no final da pandemia, em 2022, que a luta contra a balança de Ellen ganhou contornos mais dramáticos. Ao contrair Covid-19, ela conta que o seu apetite aumentou de forma voraz, o que a levou a ganhar 10 quilos em apenas dois meses. Em agosto de 2022, quando pesava 82 quilos, com obesidade de grau 1 diagnosticada, a arquiteta iniciou o tratamento com Ozempic, que trouxe resultados animadores em um curto espaço de tempo.
— Vendo esse “boom” do Ozempic, fui ao endocrinologista e falei: "ah, eu quero testar". Comecei a usar e emagreci doze quilos em dois meses, chegando aos 70 quilos — conta Ellen.
Mesmo com uma rotina de exercícios e reeducação alimentar, Ellen se manteve com o mesmo peso por cerca de 1 ano de tratamento com o remédio, até meados de setembro, quando interrompeu o uso do Ozempic. Ao suspender a medicação, ela diz que o apetite por comida voltou de forma insaciável.
— Durante os primeiros seis meses eu senti que ele fez efeito, diminuindo a minha fome. Mas, depois, eu acho que meio que parou um pouco de fazer efeito. Quando parei mesmo (de tomar o remédio), a fome voltou avassaladora. Engordei 15 quilos — diz a arquiteta.
O Ozempic foi criado inicialmente para tratar o diabetes tipo 2, mas ganhou destaque pelo mundo ao começar a ser usado de forma off label — sem a indicação original da bula — para perda de peso. No Brasil, o medicamento pode ser comprado livremente nas farmácias, sem que seja necessária a apresentação de uma receita médica.
A empresária de 48 anos, Mariana, enfrentou uma situação semelhante à de Ellen. Ela começou a usar Ozempic em janeiro deste ano, quando pesava 90 quilos. Sem acompanhamento médico, não teve dificuldades para comprar a caneta injetável na farmácia mais perto de sua em casa, em Brasília.
Em apenas três meses ela perdeu 13 quilos. No entanto, o custo elevado do remédio — que é vendido entre R$ 700 e R$ 1.000 nas farmácias — fez com que ela decidisse parar o tratamento.
Sem ter uma rotina de exercícios estabelecida, nem acompanhamento médico ou nutricional, ela voltou a ganhar os quilos que havia perdido enquanto usava o medicamento.
— Quando eu parei de tomar a caneta, comecei a ter uma fome que acho que nunca tive. Acho que desenvolvi uma compulsão alimentar, porque agora é o dia inteiro querendo comer alguma coisa, e só besteira: pizza, chocolate, biscoito. Logo logo ganhei o peso de volta e hoje estou com 92 quilos — conta a mulher que prefere não se identificar.
O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Paulo Miranda, ressalta a importância do acompanhamento médico durante o tratamento com remédios contra obesidade.
Segundo ele, a obesidade é uma doença crônica, e a recomposição do peso pode acontecer caso o tratamento não seja conduzido da forma adequada, com prática regular de atividade física e reorganização alimentar.
— Os estudos demonstram que há um percentual elevado de pessoas que, ao suspender o tratamento, têm o reganho de peso. Isso não é uma falha de tratamento. Isso está esperado — diz o endocrinologista, ressaltando a importância de medidas complementares.
Alexandre Gomes, 45 anos, trabalha como especialista em segurança da informação em um hospital de São Paulo. Ele conta que procurou um tratamento contra a obesidade em uma clínica na cidade após ganhar peso na pandemia.
No início deste ano, Gomes começou a usar Wegovy, medicamento com mesmo componente do Ozempic, a semaglutida, e que com efeitos semelhantes, retardando o esvaziamento do estômago, o que faz com que a pessoa se sinta saciada por mais tempo. Com acompanhamento médico, o tratamento foi aliado a uma nova rotina de alimentação e exercícios físicos.
— Quando comecei a tomar o remédio, eu estava com 105 quilos. Depois de dois meses já tinha perdido dez quilos. Depois do segundo mês eu e doutor já começamos a diminuir as doses.
Atualmente já não tomo mais o remédio, mas tomei gosto pela nova rotina e estou com 85 quilos e 20% de gordura corporal a menos — conta o especialista em segurança da informação.
O processo foi acompanhado pelo médico nutrólogo Wandemberg Filho, que ressalta que os remédios contra obesidade não devem ser usados como “amuleto” na luta contra a balança.
— O que acontece, às vezes, é um uso indiscriminado dessas medicações sem orientação. Então, a pessoa usa aquilo ali como amuleto, e não como uma ponte para ter hábitos saudáveis. Eu brigo e luto por isso dentro do consultório. Eu falo: a base da pirâmide está em você ter prática de atividades físicas regulares e ter uma boa alimentação — diz o nutrólogo, que cobra cerca de R$ 5 mil ao mês pelo tratamento em sua clínica.
A diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Cynthia Valério, afirma que o tratamento com os medicamentos contra obesidade deve sempre respeitar as características individuais de cada paciente e, às vezes, o uso do remédio deve ser feito por toda a vida.
— Alguns pacientes, dependendo de cada contexto de forma individualizada, na fase de manutenção podem ter essa possibilidade de redução de dose. Mas este não deve ser o objetivo do tratamento. Como toda doença crônica, o tratamento tem que ser, muitas vezes, no caso dessas medicações, também sustentado por toda a vida. Mas, novamente, cada caso deve ser individualizado — ressaltou.
Fonte: O Globo
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